Autismo: o conhecimento é fundamental para inclusão

Autismo: o conhecimento é fundamental para inclusão
abril 13 18:05 2018

Por Silen Ribeiro

Abril é o mês para a conscientização sobre o autismo. Para maiores esclarecimentos sobre o tema, a enfermeira, especialista em Saúde Pública, Saúde da Família e em Autismo, mestra em enfermagem, doutora em Saúde e autora da cartilha  “Caminhos de Qualidade de Vida: estimulando a Interação Social e Independência de Crianças no Espectro Autista”, publicada com apoio da Fapema, Francidalma Soares Sousa Carvalho Filha, concedeu-nos esta entrevista.

 O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?

É um grupo de desordens neurodesenvolvimentais complexas, instaladas antes, durante ou logo após o nascimento. Acomete uma em cada 68 crianças, compreendendo uma díade: déficits significativos e persistentes na interação e comunicação social e, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades.

Quais são suas principais causas?

As causas exatas que provocam os transtornos inclusos no TEA, sobretudo o autismo, são desconhecidas, pois a complexidade desse transtorno e o fato de que os sintomas e severidade podem variar, provavelmente são quadros resultantes da combinação de diferentes genes. Assim, sabe-se que alguns problemas genéticos acontecem espontaneamente e outros são herdados. De fato, estudos sugerem uma herdabilidade, mais ainda quando se considera a presença de traços do Espectro Autista em mais de um membro da mesma família e, apesar de nenhum gene ter sido identificado como causador de autismo, estão sendo realizadas pesquisas procurando mutações do código genético que as crianças com autismo possam ter herdado.Existe também a forte suposição de que fatores ambientais possam ter impacto no desenvolvimento do feto/concepto, como estresse, infecções, exposição a substâncias químicas tóxicas, complicações durante a gravidez, desequilíbrios metabólicos podem levar ao desenvolvimento do autismo.

Existem diferentes graus de autismo?

Sim. O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) ou Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quinta versão, aborda transtornos como a Síndrome de Rett, Síndrome de Asperger, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Autismo como constituintes do TEA, sendo classificados em leve, moderado ou grave (severo), a depender da funcionalidade da pessoa que apresenta a desordem; isto é: o quanto esta pessoa apresenta dependência na realização de suas atividades básicas de vida diária, intermediárias e/ou avançadas.

Que critérios devem ser utilizados para o diagnóstico do autismo e quais as vantagens quando ele é realizado precocemente?

O DSM-5 trouxe importantes mudanças nos critérios de diagnósticos do TEA, dando maior flexibilidade e amplitude na identificação dos sinais e sintomas, levando a uma maior sensibilidade na observação do desenvolvimento do comportamento social e comunicativo da criança. O fato é que o diagnóstico precoce é essencial para que se consiga um bom prognóstico da pessoa, a partir da correção dos atrasos mais profundos. Assim, os critérios estabelecidos pelo DSM-5 foram: inabilidade persistente na comunicação social e na interação social nos mais variados contextos, não justificados por atraso geral no desenvolvimento, e que se manifesta por três características a seguir – déficits na reciprocidade socioemocional; déficits nos comportamentos não verbais de comunicação usuais para a interação social e déficits nos processos de desenvolver e manter relacionamentos. Outros critérios são padrões restritos, repetitivos de comportamento, de interesses ou atividades, manifestados por, pelo menos, dois dos seguintes itens:  fala, movimentos motores ou uso de objetos de forma repetitiva ou estereotipada; adesão excessiva a rotinas, rituais verbais ou não-verbais, ou excessiva resistência a mudanças; interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade e foco; hiper ou hipo-reatividade para percepção sensorial de estímulos do ambiente ou interesse anormal e excessivo para estímulos senso-perceptivos. Tais sintomas devem estar presentes em fase precoce da infância, mas podem aparecer aos poucos, em ordem ou sequência incompleta, progressivamente levando a problemas nas demandas sociais.

Que sinais podem ser observados que sugerem riscos de autismo?

Dificuldades e desinteresse em participar de brincadeiras, comportamentos estereotipados, por exemplo, mexer os dedos em frente aos olhos, movimentos repetitivos da cabeça e/ou de antebraços e mãos, balanço do tronco, ações sem sentido; ausência de resposta ao chamado dos pais/cuidadores e desconsideração ao ser chamado pelo nome (age como se fosse surdo); dificuldades no contato visual (não estabelecem contato “olhos nos olhos”); não explora brinquedos de forma adequada e pode fixar-se em algumas de suas partes sem utilizar todas as suas funções, por exemplo, passar mais tempo girando a roda do carrinho do que o empurrando); atraso ou ausência do desenvolvimento da fala, não dizer palavras simples até os 18 meses ou frases de duas palavras por volta dos 24 meses; pode repetir exatamente o que os outros dizem, sem compreender o seu significado, o que é denominado de Ecolalia e significa repetição imediata ou tardia de palavras ou frases; limitações na interação social, não demonstra interesse por outras crianças; resistência a mudanças de rotina; tendência ao isolamento, prefere brincar sozinho a estar com outras crianças/pessoas; choro/tristeza e/ou euforia inexplicados; hiperatividade ou passividade extrema; sensibilidade alterada ao contato, não tolera que o/a toquem; noção diminuída ou inexistente de perigo iminente e de sensibilidade dolorosa.

Aparentemente, tem-se observado mais casos de autismo. Isso é realmente verdade ou o que está ocorrendo é um maior número de diagnósticos?

 Na verdade, o que ocorre é que, como referido, aconteceram mudanças nos critérios diagnósticos para os Transtornos Inclusos no Espectro do Autismo, o que pode influenciar para que pessoas com deficiência intelectual ou com menor desempenho no desenvolvimento mental com sintomas de transtornos neuropsiquiátricos possam ser classificadas como autistas. Além disso, um número cada vez maior de profissionais têm se dedicado a estudar esta condição, o que certamente, acarreta em um quantitativo mais expressivo de diagnósticos.

Comumente, de que forma uma criança autista se relaciona com as pessoas?
Inicialmente é preciso frisar que existem diversas formas de autismos, o que significa dizer que cada pessoa com a desordem é única e por esta razão, manifestam os seus sintomas também de modo bem diferenciado. Entretanto, de maneira geral, mantém relacionamentos com um grupo restrito de pessoas e provavelmente não muito efetivos e duradouros.

Alguns estudos apontam que o transtorno é mais frequente em meninos. Por que isso acontece?

Ainda não se tem a certeza acerca dessa indagação. Entretanto, se sabe que cérebros de homens e mulheres têm várias diferenças e estas começam a se apresentar da fase de desenvolvimento da infância em diante. Além disso, mutações genéticas, ou seja, modificações nos genes podem criar desordens ou distúrbios de desenvolvimento neurológico, como o autismo. Portanto, o que se tem como certo é que mulheres têm mais resistência do que os homens quando se trata de acumular mutações genéticas nocivas, o que leva a crer que “os defeitos” nos genes que causam problemas precisam estar em maior quantidade nas mulheres para produzir o mesmo efeito nocivo que acomete aos homens. Esta é a “forte indicação” para a resposta a esta pergunta.

 O que a senhora considera como maior equívoco quando se fala em tratamento para o Espectro do Autismo?

O maior de todos os equívocos referentes ao tratamento da pessoa que está no Espectro do Autismo é achar que todos os indivíduos com esta desordem neurodesenvolvimental podem receber a mesma terapia ou ainda pensar que apenas um profissional poderá implementar todo o tratamento e será capaz de bem conduzir o processo de desenvolvimento desta pessoa. Por isso, iniciar qualquer terapêutica sem uma avaliação criteriosa de uma equipe multiprofissional é um grande desacerto.

No Maranhão, além do Serviço para Pessoas com Transtorno do Espectro do Autista, serviço implantado pelo Governo do Estado, que funciona no Centro Especializado em Reabilitação e Promoção da Saúde (CER), há outros locais especializados para atendimento a crianças autistas?

Sim, existem serviços públicos que auxiliam e/ou estabelecem o tratamento para pessoas inclusas no Espectro do Autismo, tais como os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) e a Associação dos Amigos e Pais dos Excepcionais (APAE) que funcionam na Capital e em outros municípios como Caxias, Balsas e Timon. Em São Luís também existe um laboratório para pesquisas e acompanhamento de pessoas no Espectro do Autismo, o LapiTEA, que funciona em um Centro Universitário privado, com ênfase nas terapias com psicólogos.

 Qual a importância da mediação escolar na inclusão de uma criança com Transtorno do Espectro Autista?

O serviço de mediação escolar tem como objetivo levar em conta as necessidades educacionais especiais dos alunos por ele atendidos, podendo atender no sentido de complementar, suplementar e/ou servindo de apoio ao ensino comum. Portanto, o(a) mediador(a) escolar atua junto ao professor e demais envolvidos no processo, inclusive aos alunos, oferecendo suporte prático e teórico à aprendizagem dos mesmos. Desta maneira, a importância da mediação escolar a uma pessoa no Espectro do Autismo é que o atendimento e/ou acompanhamento, geralmente, ocorre no interior da sala de aula, mas também em outros espaços sociais, inclusive com orientações de como conviver em casa e em situações de interação na rua ou em parques, lanchonetes e outros ambientes, com serviço de orientação e de supervisão pedagógica, além de fornecer suporte para as mais variadas situações do cotidiano.

 Como ocorre o processo de aprendizagem de um aluno autista?

O processo ensino-aprendizagem de pessoas no Espectro do Autismo geralmente é muito difícil, o que não quer dizer que estas pessoas não possam ser alfabetizadas e a partir daí consigam se engajar na vida acadêmica e quiçá profissional. Deste modo, convém salientar que é natural nestes indivíduos as dificuldades de sociabilização, generalização, distração e sequenciamento de atividades, fazendo com que a pessoa no Espectro Autista tenha uma consciência pobre acerca da outra pessoa e do ambiente que a cerca, sendo também, em muitos casos, responsáveis pela falta ou diminuição da capacidade de imitar, que consiste em um dos pré-requisitos cruciais para o aprendizado, além de existirem déficits em desenvolver empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar de outro e de compreender os fatos a partir da perspectiva do outro. Desta maneira, é essencial oferecer um sistema de trabalho o mais organizado possível, com as informações completas, mas simples, de modo que a criança compreenda aquilo que é explanado. Além de exigir também uma rigorosa organização das tarefas e atividades propostas, permitindo que a criança as execute a partir da compreensão de início, meio e fim; bem como a previsibilidade, tanto de tempo, quanto do espaço e ações a serem desenvolvidas, verificando se ela está compreendendo as tarefas pedidas e se está executando consoante o solicitado. Neste contexto, é conveniente destacar que dentre os modelos educacionais para o autista, um dos mais importantes é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children), em português, (Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação), desenvolvido pela Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e que tem como postulados básicos: propiciar o desenvolvimento adequado e compatível com as potencialidades e a faixa etária do paciente, funcionalidade, independência e integração de prioridades entre família e programa; por isso, a partir da implantação deste modelo, é estabelecido um plano terapêutico individual, onde é definida uma programação diária para a criança autista. O aprendizado parte de objetos concretos e passa gradativamente para modelos representacionais e simbólicos, de acordo com as possibilidades da criança assistida.

Quais são os direitos das pessoas com autismo e quando são desrespeitados a quem se deve recorrer?

Bom, as pessoas no Espectro do Autismo adquiriram muitos direitos a partir da Lei nº 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que sendo consideradas pessoas com deficiência, passaram a gozar de todos os direitos estabelecidos pela Legislação para todas as pessoas que apresentam as mais diversas deficiências. Assim, por exemplo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, cuja Lei nº 13.146, de 2015, menciona no Capítulo IV que a Educação constitui um direito fundamental, assegurando um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de aprendizado ao longo de toda a vida. Inclusive a Lei 12.764/12 também evidencia que o gestor que se recusar a efetuar a matrícula do aluno com TEA, será punido com multa ou até com a perda do cargo. Além disso, por meio da Resolução nº 280/2013, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) estabelece um desconto mínimo de 80% no valor da passagem aérea, ou até mesmo a sua isenção, para acompanhantes de pessoas com deficiências. A Lei nº 10.048/2000 assegura atendimento prioritário às pessoas que apresentam deficiência em todos os ambientes coletivos, inclusive de saúde e educação. De acordo com a Lei nº 8.889/1994 é concedido passe livre às pessoas que apresentam deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual. A Lei nº 8.989/1995 dispõe sobre isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), na aquisição de automóveis, para pessoas que têm, dentre outras condições, autismo. A Constituição Federal (1988) assegura que pessoas com deficiência ou seu representante legal têm direito de adquirir veículos com 30% de descontos, por conta da isenção de impostos como o IPVA e o ICMS. Portanto, à medida que estes direitos forem sendo ultrajados, os representantes legais, isto é, os pais/familiares devem ingressar com uma ação para fazer valer esses direitos.

No Maranhão, existem grupos de apoio a autistas e suas famílias, tais como a Associação de Amigo do Autista (AMA-MA) e o Grupo Ilha azul. Qual a importância deles?

Esses grupos são essenciais, tanto para as pessoas que estão no Espectro do Autismo, quanto para seus familiares, pois a partir da troca de experiência solidária e coparticipação, pais, cuidadores e outros familiares podem adquirir informações preciosas de como estabelecer um cuidado mais efetivo, observando as diferenças e também as semelhanças existentes entre seus filhos/pessoas cuidadas e as demais pessoas no Espectro do Autismo, bem como também são organizações que podem funcionar como ponto de apoio para tirar dúvidas e também de escuta em relação aos anseios, medos e angústias.

Entre outras coisas, a senhora tem especialização em autismo, realiza pesquisas nessa área, trabalha com planejamento e avaliação de pessoas com o Espectro e ministra palestras, oficinas e cursos nesta área de conhecimento. Como se deu o interesse pelo tema?

O meu interesse pelo tema surgiu há cerca de 6 ou 7 anos, quando uma ex-aluna, estudante de Enfermagem e mãe de um garoto que vive no Espectro do Autismo, atualmente minha colega de profissão, pesquisadora  e atuante na área, procurou-me para orientá-la em seu Trabalho de Conclusão do Curso sobre o tema e, a partir do momento do aceite, comecei a realizar cursos e a participar de eventos científicos que discutiam a temática, buscando uma formação mais sólida e ao mesmo tempo, fui me envolvendo cada vez mais com este tema. Além disso, sempre fui muito sensível para as dificuldades demonstradas por alguns pais diante do cuidado cotidiano de seus filhos, sobretudo em relação à socialização e a vida acadêmica. Por esta razão, busquei as especializações para que eu pudesse contribuir mais com a avaliação das crianças e o fornecimento de orientações e realização do Plano Educacional Individualizado (PEI).

Quais os avanços que a senhora aponta quando o assunto é autismo, desde o que se refere ao tratamento até o modo como as pessoas vêm o autista hoje?

Posso afirmar que existem grandes e importantes avanços, sobretudo no que refere à desmitificação do transtorno e diminuição de preconceito e críticas infundadas em relação às pessoas que estão no Espectro do Autismo, pois muitos indivíduos já percebem que aqueles podem se desenvolver em diversas áreas, caso recebam o tratamento adequado e em tempo hábil. A este respeito, convém salientar que cada vez mais estão sendo instituídos tratamentos com vistas a minimizar os sinais e sintomas e estabelecer uma vida o mais funcional possível, a partir de uma atuação multiprofissional e interdisciplinar, com médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, enfermeiros, educadores físicos, psicopedagogos e outros, com vistas a propor modelos intervencionistas individualizados holísticos e integrais, visando à ampliação das habilidades das pessoas assistidas.

É de sua autoria, com o apoio de Najra Danny Pereira Lima e Ava Fabian dos Anjos Lima, a Cartilha “Caminhos de Qualidade de Vida: estimulando a interação social e Independência de Crianças no Espectro Autista”. A senhora pode falar quais os principais aspectos tratados nessa publicação e como ela pode ser acessada?

A cartilha aborda aspectos gerais de definições e conceituações do Transtorno do Espectro do Autismo, importância do diagnóstico e intervenções precoces, o que os pais devem fazer em relação à pessoa no dia a dia, os direitos da pessoa com autismo, além de dicas de atividades de socialização que podem ser realizadas com pessoa no Espectro. Por enquanto, estamos desenvolvendo projetos com pais, cuidadores, mediadores escolares e professores e, à medida que implementamos as ações, fornecemos as cartilhas impressas e também já estão disponíveis nas bibliotecas de algumas escolas públicas municipais em Caxias e Centros de Estudos da Universidade Estadual do Maranhão. Entretanto, pretendemos também disponibilizá-las em meio digital em material do tipo audiodescrição para que um número maior de pessoas tenham acesso.

A cartilha foi publicada com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico no Maranhão – FAPEMA.  Como pesquisadora, como a senhora avalia a importância de suporte como esse?

O apoio que a FAPEMA oferece em projetos como estes é essencial, pois além da questão financeira, disponibiliza informações precisas acerca da execução do trabalho que culmina na socialização conhecimento, que empodera as pessoas que acessam o material, além de tornar a temática mais acessível a pessoas e profissionais das mais diversas áreas. Ressalto também que além do apoio financeiro, os profissionais atuantes na instituição, são muito solícitos em todas as etapas de produção de projetos como este, atendendo prontamente às solicitações realizadas.