Consumir menos açúcar é questão de hábito e educação do paladar, aponta estudo

Consumir menos açúcar é questão de hábito e educação do paladar, aponta estudo
abril 23 18:04 2019

Fonte: Ascom Faperj 

Pesquisa conduzida pela engenheira de alimentos Rosires Deliza, na Embrapa Agroindústria de Alimentos, revelou que o consumo de produtos com menor teor de açúcar é uma questão de hábito e de educação do paladar. Os resultados do estudo foram apresentados pela pesquisadora no workshop “Estratégias de redução do consumo de açúcar”, realizado na segunda quinzena de março, no auditório da Embrapa Solos, localizada no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. A pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e também da FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso Estado.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o consumo de açúcar não deva passar de 50 gramas por dia, incluindo os açúcares ‘ocultos’ nos alimentos industrializados. O açúcar é responsável por inúmeros problemas de saúde, em especial o sobrepeso e a obesidade, diabetes e cáries, entre outras. Para a OMS, políticas públicas devem estimular hábitos alimentares mais saudáveis, que promovam mudanças na rotulagem de alimentos e que regulem a comercialização de produtos alimentares e bebidas não alcoólicas ricos em açúcares.

Durante o workshop, foram discutidas duas medidas visando a redução do consumo de açúcar: a reformulação de alimentos industrializados e a informação nutricional na parte frontal dos rótulos. O workshop contou com a participação de pesquisadores, representantes de órgãos de defesa do consumidor, Ministério da Saúde e Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).

Rosires explica que a reformulação visa a redução do açúcar de produtos industrializados. Segundo ela, já existe um acordo voluntário entre Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e quatro das principais associações que representam a indústria alimentícia para que o açúcar seja gradualmente reduzido nos alimentos, mas o processo ainda inclui uma Consulta Pública. A engenheira de alimentos explica que além de ser um ingrediente de baixo custo, o açúcar tem outras funções, além de adoçar, na formulação dos alimentos, relacionadas à textura e corpo do produto, o que implica em desafios tecnológicos para a indústria. No entanto, ela recomenda que diante do aumento do sobrepeso e da obesidade da população brasileira, com consequente incremento das doenças crônico-degenerativas, é urgente que, a exemplo do sódio, os percentuais de açúcar sejam reduzidos nos alimentos industrializados.

Vários estudos realizados na Embrapa Agroindústria de Alimentos, com sede em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, com produtos como achocolatados e sucos, tanto com crianças quanto com adultos, mostraram que os pequenos têm menor percepção em relação à redução do açúcar. As pesquisas abrangeram um universo de 400 crianças entre 6 e 12 anos, de famílias com baixa e alta renda, nos bairros de Santíssimo e Barra da Tijuca, ambos na Zona Oeste. “Como o mesmo suco pode ser consumido por adultos e crianças, através dos estudos, foi verificado que a retirada gradual de quantidades de açúcar não é sensorialmente percebida por nenhuma faixa etária e, portanto, não afeta a aceitação do produto”. A pesquisadora explica que consumir produtos com menor teor de açúcar é uma questão de hábito, de educação do paladar. Ela conta que há quatro anos vem realizando palestras sobre alimentação saudável em escolas públicas e que a reação das crianças é muito positiva.

A apresentação da professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Jaime, mostrou o padrão do consumo de açúcar na população brasileira a partir de dados epidemiológicos, estudos populacionais e as implicações do consumo excessivo para a saúde. “Os estudos mostram que o brasileiro está consumindo muito açúcar e esse consumo excessivo está associado a um conjunto de doenças, em especial o sobrepeso, ou obesidade, que tem um impacto grande no perfil de adoecimento, inclusive de mortalidade da população brasileira”.

O pesquisador da Universidad de La República, no Uruguai, Gastón Ares, explicou que a reformulação dos alimentos por parte das indústrias possibilitará que as pessoas modifiquem suas preferências e se acostumem a consumir alimentos menos doces. “Sobre o rótulo, hoje é praticamente impossível identificar quais alimentos têm grande quantidade de açúcar porque essa informação não é obrigatória. Mas há muitas maneiras de incluir essa informação de forma bem clara ao consumidor como, por exemplo, uma identificação na embalagem sobre a alta quantidade de açúcar presente no produto”.

Políticas públicas mais efetivas para a redução do consumo de açúcar são apontadas como essenciais pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). “Um grande desafio é conseguir aumentar o preço das bebidas açucaradas porque contribuem muito para esse consumo excessivo de açúcar. Hoje no Brasil, existe subsídio para empresas que produzem essas bebidas, ou seja, elas pagam pouquíssimo imposto e nós sabemos que o ônus disso à saúde pública é muito maior do que o que elas contribuem de fato para os cofres públicos” disse, em sua apresentação, Ana Paula Bortoletto, representante do Instituto. Ela acrescentou que é preciso ter escolas que estimulem o consumo de alimentos com menos açúcar e que restrinjam o acesso aos alimentos açucarados. “Não há necessidade de expor crianças a uma quantidade tão grande desses produtos. Elas podem muito bem estar em um ambiente escolar onde elas possam ter a oferta de alimentos saudáveis. Um dos nossos grandes entraves, no momento, é reduzir a interferência das indústrias nas políticas públicas mais efetivas para as mudanças no Brasil”.

Entre as ações do Ministério da Saúde visando a redução do consumo de açúcar pelos brasileiros, o coordenador substituto do Setor de Alimentação e Nutrição, Eduardo Nilson, citou o Guia Alimentar para a População Brasileira, que contém mensagem específica sobre a redução de ingredientes culinários, que são sal, açúcar e óleo. “Em paralelo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar trata do perfil dos alimentos e aborda o uso reduzido de açúcar; a rotulagem nutricional frontal dos alimentos industrializados, que também inclui a redução do açúcar, e a discussão de taxação de bebidas industrializadas adoçadas que são as principais fontes de açúcar em alimentos industrializados”, esclareceu Nilson.

Símbolos de advertência serão incluídos na parte frontal
das embalagens, como esta, fictícia, desenvolvida para testes

A segunda etapa do projeto de Rosires, intitulado Rotulagem de alimentos como estratégia para propiciar a escolha de produtos mais saudáveis pela população: eficácia das advertências nutricionais e ações complementares, prevê a inclusão de advertências nos rótulos dos produtos quanto à quantidade de açúcar, sódio e gordura. Ela explica que vários países da Europa e América do Sul possuem modelos de advertência, como o octógono preto, adotado no Chile, e que a pesquisa testou diversos modelos, incluindo a imagem do semáforo (com suas três cores e significados correspondentes), sugerida pela própria indústria.

A pesquisadora da Embrapa Agroindústria conta que foram desenvolvidas embalagens com design e logomarca fictícios de oito categorias de produtos entre os mais consumidos: barras de cereal, lasanha, salgadinho a base de milho, iogurte, achocolatado, sucos, bolos para testar modelos de advertência nutricional. O próximo passo é acrescentar os símbolos de advertência em embalagens comerciais e iniciar novos testes, pois, segundo a pesquisadora, a marca pode ter efeito na percepção da advertência. Estudos para investigar o tempo da reação dos consumidores quando observam distintas embalagens com a rotulagem nutricional frontal, e também para estudar o tempo de fixação nos diferentes elementos do rótulo – dentre eles a rotulagem nutricional – também serão realizados utilizando vários modelos, dentre eles o semáforo e o círculo vermelho. O estudo será realizado em uma escola, onde os produtos serão arrumados em prateleiras que simulam o ambiente de um supermercado. Um equipamento especial capturará o olhar dos alunos para verificar se a sinalização chama atenção suficiente. Com adultos, também serão realizados testes em supermercados online.

* Com informações da Assessoria de Comunicação da Embrapa Agroindústria de Alimentos