Pesquisa sobre religiões afro e festas populares vira tema de livro no Maranhão

Pesquisa sobre religiões afro e festas populares vira tema de livro no Maranhão
fevereiro 17 17:38 2016

Saída-de-santo festiva para o vodum LissáO estudo foi desenvolvido por mais de 10 anos e hoje conta com a participação de vários pesquisadores e estudantes do nível médio

Em março de 2003 foi aprovada a Lei Federal nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Essa lei altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e tem o objetivo promover uma educação que reconhece e valoriza a diversidade, comprometida com as origens do povo brasileiro. A partir de então, os professores passam a ter que ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira e nessa perspectiva o tema deixa de se limitar ao período da escravidão e os negros são considerados como sujeitos históricos, o que significa valorizar a cultura (música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas.

Essa Lei fez surgirem algumas demandas e muitos pesquisadores aproveitaram para iniciar e/ou fortalecer trabalhos nessa área. Foi o caso do professor de Língua Portuguesa e Inglesa, Gerson Lindoso, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhã (IFMA, campus Centro Histórico), que desde as graduações em Jornalismo e Letras, e o mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão, tem desenvolvido pesquisas antropológicas, como a que culminou, em 2014, no livro Ilê Ashé Ogum Sogbô: etnografia de um terreiro de Mina em São Luís do Maranhão, com os selos das editoras Café e Lápis e Edufma. A publicação teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), por meio do Edital do Programa de Apoio à Publicação de Livros, Coletâneas e Catálogos (APUB).

A obra é um estudo antropológico sobre as religiões afro-brasileiras na atualidade, analisando, por meio da etnografia, o contexto afro-religioso local, sua diversidade, pluralismos e peculiaridades. O projeto de pesquisa Religiões afro e festas populares no Maranhão, que tem o Tambor de Mina como foco principal, mas também trata de algumas manifestações folclóricas como o chamado Bumba Meu Boi de Encantado, o Tambor de Crioula para os Pretos-Velhos e os Blocos Afro. É desenvolvido por meio do Grupo de Estudos Afro-Brasileiros e Culturais (GEABRAC), coordenado também pela antropóloga e professora do IFMA, Christiane Mota. “A pesquisa teve o projeto aprovado por meio do Programa Faz Ciência [Prociência], da Fapema. Essa é uma grande oportunidade, pois temos poucas iniciativas que estimulem a pesquisa na rede pública de ensino, ainda mais com essa temática”, destaca Gerson Lindoso.

Fontes – Os estudos de Gerson Lindoso na área de cultura e religião afro foram iniciados ainda na graduação e aprofundada no mestrado, quando o pesquisador desenvolveu os trabalhos com a finalidade de levantar um diálogo em torno da importância das marcas identitárias específicas do modelo ritual de Tambor de Mina da Casa do Pai Airton Gouveia, o Ilê Ashé Ogum Sogbô, terreiro localizado no bairro da Liberdade em São Luís. O estudo realizado teve como problemática desvelar os significados atribuídos ao paramento afro-religioso (as vestimentas especiais dos orixás/ voduns) desse espaço religioso.

Para a pesquisa, Gerson Lindoso percorreu o caminho natural a todo pesquisador e um dos passos iniciais foi mapear as pessoas que seriam procuradas para fornecer os dados necessários para a viabilização do estudo, visto que a temática central havia sido definida ainda na faculdade. “Escolhemos trabalhar com o Terreiro de Iemanjá, do finado pai Jorge Itaci na Fé em Deus, para pesquisarmos as razões da popularidade desse líder religioso. Selecionamos seguidamente, ainda, a Casa de Ogum e Sogbô de pai Airton, na Liberdade”, revela o pesquisador, acrescentando que as escolhas aconteceram, também, pelos espaços religiosos ainda não se configurarem como objetos de estudo por muitos pesquisadores (as).

Gerson Lindoso conta que adotou o método da observação participante, ferramenta importante de sua etnografia. “A etnografia não é uma técnica ou simplesmente um método em que o pesquisador só observa ou faz mero uso de entrevistas. O seu objetivo principal é a captação das significações e das experiências subjetivas extensas no processo de interação social”, explica. “Foi uma maneira que encontrei de manter uma relação mais prolongada com o objeto de estudo, para coletar os dados, adquirir novas experiências, construir e desconstruir visões de mundo”, finaliza Gerson Lindoso.

Segundo o professor, os resultados alcançados pela sua pesquisa, de modo geral, tem sido positivos. “A própria publicação da dissertação, com apoio da Fapema, já é considerada como uma conquista. Mas devemos destacar, ainda, o interesse que sempre devemos despertar pelo tema, tanto em estudantes, no ambiente escolar, quanto em pesquisadores de outros campos e entendemos que esse é um passo importante no sentido de mostrar a diversidade cultural e religiosa e combater o preconceito e a intolerância”, afirma Lindoso.

Apesar disso, Gerson Lindoso afirma que ainda há um caminho longo a ser percorrido. “Aos poucos temos alcançado nossos objetivos, mas não tem sido fácil, pois ainda nos deparamos com os preconceitos, racismos, lutas acirradas pelo poder dentro de nossas instituições e a intolerância em relação às identidades afro-religiosas e à diversidade. Ano passado, por exemplo, mais de 10 terreiros foram incendiados em Brasília”, finaliza.