Silen Ribeiro
29 de janeiro: Dia Internacional do Hanseniano. A hanseníase é considerada um caso de saúde pública no Brasil, que ocupa a segunda colocação no ranking mundial, ficando atrás somente da Índia em número absoluto de casos. Para conhecer mais sobre a doença, leia a entrevista concedida à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) pela médica e professora da Universidade Federal do Maranhão, com Residência em Clínica Médica e em Doenças Infecciosas e Parasitárias; Mestrado e Doutorado em Medicina Tropical pela Fiocruz, Eloísa da Graça do Rosário Gonçalves.
A hanseníase é doença causada pela bactéria Mycobacterium leprae, identificada pelo Dr. Gerhard Armauer Hansen, médico norueguês, em1873. Caracteriza-se, inicialmente, por manchas claras ou avermelhadas, com alteração da sensibilidade da pele. Se não for diagnosticada e tratada no início pode evoluir para outras formas clínicas distintas, caracterizadas por combinações variadas de placas infiltradas na pele, nódulos, redução de pelos, espessamento dos nervos dos braços, das pernas e da face, o que pode levar a atrofias e diminuição da força dos músculos nesses segmentos. O diagnóstico é clínico, com base nas manifestações referidas. A pesquisa da bactéria em raspados da pele ajuda a definir as formas clínicas da doença.
A hanseníase pode acometer todas as pessoas. Não há “grupos de risco” definidos. Por ter um período de incubação longo, que varia de 2 a 10 anos, crianças pequenas, em geral, tem menor probabilidade de apresentar a doença.
Estudos epidemiológicos evidenciam que não há transmissão em contatos eventuais. Para haver infecção efetiva é necessário contato próximo e por tempo prolongado com uma pessoa que tenha uma forma da doença com muitos bacilos – as chamadas formas multibacilares, antes que o tratamento específico tenha sido iniciado. A transmissão se dá, principalmente, pelas vias respiratórias.
Todos devem comparecer à unidade básica de saúde para ser examinados pela equipe em busca de alterações na pele. É o chamado exame dos comunicantes. Outra medida é a aplicação da vacina BCG nos comunicantes que não apresentem alterações. Esta vacina não é específica para a hanseníase, mas aumenta a resistência imunológica. Portanto, caso a pessoa venha a ter a doença no futuro, será uma forma menos grave e com menos bacilos.
Logo após o início do tratamento, que é feito com mais de um medicamento. Isso permite uma capacidade maior de destruir o bacilo.
É importante estar sempre atento ao surgimento de manchas no corpo, especialmente se acompanhadas por alterações na sensibilidade. Neste caso, quanto antes procurar um serviço de saúde para avaliação, melhor. Como já referido anteriormente, no caso de pessoas que convivem com uma pessoa que teve o diagnóstico definido de hanseníase, todos devem ser examinados pela equipe de saúde. Aqueles que tiverem alguma alteração na pele serão investigados para o esclarecimento do diagnóstico. Aqueles que não apresentarem lesões serão avaliados para a vacina BCG.
Em tempos passados havia a noção de que a doença estaria ligada à “impureza” e quem a apresentasse deveria ser afastado do convívio com outras pessoas, o que, de certa forma, justificou a criação posterior de colônias ou leprosários, onde os doentes eram segregados. A identificação do bacilo de Hansen no século 19 trouxe um carácter científico ao conhecimento da doença. Com o tempo, múltiplos outros fatores contribuíram para mudanças na percepção do que é, de fato, a hanseníase. Podemos citar, como exemplos, o aperfeiçoamento da abordagem médica, com suporte laboratorial; a introdução de um tratamento medicamentoso eficaz; o fim do confinamento de pacientes; a melhor estruturação dos programas de controle; a divulgação dos conhecimentos científicos sobre a doença para a sociedade. Com esse conjunto de medidas, a aceitação da doença tem se tornado maior, o que contribui para a procura dos serviços de saúde e para a redução gradual do preconceito.
Sim, a hanseníase ainda é um sério problema de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), só no ano de 2016 foram notificados 214.783 casos novos de hanseníase em 143 países. Isso representa 3 casos por cada 100 mil habitantes. No Brasil, no mesmo ano, foram notificados 25.218 casos novos: 12 casos por 100 mil habitantes. Esses dados classificam o País como de alta carga para a doença, sendo o segundo com o maior número de casos registrados no mundo. Já o Maranhão foi o terceiro estado do Brasil com maior número de casos novos diagnosticados (chegando a 54 casos novos por 100 mil habitantes), segundo análise feita pelo Ministério da Saúde, nos anos de 2012 a 2016. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são as mais problemáticas. Felizmente, apesar desses números elevados, na última década tem havido uma tendência de redução do problema no Brasil. Uma medida importante tomada recentemente é a implementação do Programa de Eliminação da Hanseníase, proposto pela Organização Mundial da Saúde, que busca reduzir a prevalência para menos que 1 caso para cada 10 mil habitantes até o ano de 2020.
Sim, é preciso que os profissionais tenham capacitação técnica para o reconhecimento das manifestações da doença, das diferentes formas clínicas, do esquema de tratamento e da condução mais adequada para cada caso. A equipe deve ser multidisciplinar, incluindo cuidados de prevenção das incapacidades físicas. Além disso, o envolvimento de outros setores da sociedade pode dar importantes contribuições ao processo de controle. Por exemplo, como participante de um projeto de pesquisa e extensão sobre hanseníase da Universidade Federal do Maranhão, em andamento desde 2003, trabalhamos em parceria com professores de escolas públicas no município de Buriticupu, na busca ativa de estudantes com manchas no corpo. Isso permitiu a identificação de vários casos novos na fase inicial da doença e o tratamento imediato, evitando a evolução para formas infectantes e com potencial de incapacitação física. Essa experiência deixou clara a importância da interação dos setores de saúde e educação.
A notificação compulsória significa que é obrigatório informar às autoridades responsáveis pelo programa de controle da doença cada caso novo diagnosticado. Para isso existem fichas específicas, onde são registrados os dados sobre o paciente, sobre a doença, a forma clínica, o tratamento instituído. Com essas informações é possível ter um conhecimento mais preciso da distribuição e dos indicadores epidemiológicos da doença nos municípios, nos estados e no país. Assim, será possível a tomada de decisões mais racionais na definição de prioridades para as ações de controle e para a distribuição de recursos financeiros, além de permitir a avaliação do resultado das ações desenvolvidas.