Trabalho infantil: você não pode fechar os olhos para isso

Trabalho infantil: você não pode fechar os olhos para isso
junho 12 07:58 2019

Por: Silen Ribeiro

 

12 de junho é marcado como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no ano de 2002, a data objetiva, sobretudo, chamar a atenção para o trabalho infantil, grave problema que ainda é, infelizmente, uma prática corriqueira no Brasil e no mundo.

Para saber mais sobre isso, vale a pena ler a entrevista concedida à Fapema pela professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), especialista em Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes e doutoranda em Políticas Públicas, Carla Serrão.

De uma forma bem simples, diga-nos: o que é o trabalho infantil?

Refere-se ao emprego da mão-de-obra de crianças ou adolescentes menores de 16 anos em atividades econômicas e/ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não.

 

Então, ajudar nas tarefas de casa, ao contrário do que creem alguns, não é considerado trabalho infantil?

Contanto que não seja prejudicial ao desenvolvimento físico e mental e que não prive crianças e adolescentes de viverem suas potencialidades dignamente, como ocorre com o trabalho infantil doméstico.

A partir de que idade o trabalho é permitido por lei?

O Estado brasileiro estabelece a idade mínima de dezesseis anos para admissão no trabalho, exceto nos casos de atividades noturnas, perigosas e insalubres. A partir dos 14 anos, na condição de aprendiz, que pressupõe regras diferenciadas.

Quais são as piores formas do trabalho infantil e as suas principais implicações?

Todas as formas de escravidão ou práticas análogas; venda e tráfico de crianças/adolescentes para fins de exploração sexual ou produção de pornografia. Recrutamento para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes, conforme definido nos tratados internacionais. Trabalhos que pela natureza ou pelas circunstâncias em que são executados levam a prejuízos à saúde, à segurança e à moral da criança.

Com tão graves consequências, por que ele continua sendo tolerado e muitas vezes até incentivado?

Existem determinantes de ordem econômica e cultural que sustentam o trabalho infantil, dentre os quais a pobreza figura como um dos principais. Segundo o IBGE (Censo 2010), 46% das crianças e adolescentes menores de 14 anos viviam em domicílios com renda per capita até meio salário mínimo e 132 mil famílias eram chefiadas por crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. Deduz-se que a garantia das prerrogativas legais das crianças e adolescentes brasileiros é um caminho em construção.

Para situar melhor as pessoas, a senhora pode informar dados recentes do trabalho infantil em nosso País?

De acordo com os dados da PNAD/IBGE (2016), o Brasil tem um total de 1 milhão e 800 mil crianças e adolescentes entre 05 e 17 anos trabalhando. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil questiona esse número e denuncia uma mudança na metodologia da PNAD, que alterou a forma de aferir o trabalho infantil, suprimindo as atividades desenvolvidas para o próprio consumo. Essa mudança foi responsável pela redução do número oficial de 2,7 milhões para 1,8 milhão de crianças e adolescentes trabalhadoras, sem que houvesse qualquer incremento estatal nas ações e programas de prevenção e erradicação do TI.

Constata-se que o número de casos ainda é bastante expressivo, mesmo existindo leis que proíbam o trabalho infantil em nosso País. Por que é tão difícil aplicá-las de forma efetiva?

Primeiramente porque o Estado brasileiro mantem uma violenta tradição de negação de direitos à população pobre, o que inclui crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil. Um estudo publicado pela Fundação Abrinq e Save the Children, intitulado Caderno Legislativo da Criança e do Adolescente, mostra que apenas 1% dos projetos relacionados à infância e adolescência é finalizado no Congresso Nacional, o que retrata o descaso com os seus direitos.

 

Dentre os casos menos reconhecidos como de trabalho infantil, está o doméstico. Por que isso acontece?

O trabalho infantil doméstico está alicerçado em bases ideológicas conservadoras de gênero, raça e classe que compreendem o trabalho doméstico como atividade feminina e no caso brasileiro, em razão da herança colonial escravista, desenvolvido por mulheres negras e pobres. Assim, o trabalho de meninas em casa de terceiros é largamente aceito, porque é entendido como uma forma de ajuda, para a própria trabalhadora infantil e para sua família pobre. Essa postura conservadora favorece a permanência e dificulta o combate e a erradicação do trabalho infantil doméstico.

 

Qualquer pessoa pode denunciar um caso de trabalho infantil? Como isso pode ser feito?

Sim, qualquer pessoa pode denunciar. Para isso, existem órgãos responsáveis pela promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes como: Conselhos Tutelares; Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; Ministério Público do Trabalho; Superintendência Regional do Trabalho; Juizados da Infância e Adolescência, que estão aptos a receber as denúncias e proceder a seguir.

Inúmeras pessoas apontam o trabalho infantil como alternativa à criminalidade.  Faça uma breve análise sobre isso.

Existem diferentes justificativas para a inserção precoce no mundo do trabalho. Uma delas, aplicada à população pobre, envolve o aspecto moral do trabalho, como mecanismo de libertação da vadiagem e da criminalidade. Tais justificativas se fundamentam em percepções que as sociedades vão construindo em torno dos diferentes sujeitos que as constituem. Embora essas percepções sofram variações, há um lugar determinado para homens, mulheres, crianças e adolescentes pobres e certamente esse lócus reflete a desigualdade social.

Muitas vezes os pais acreditam que o trabalho infantil se constitui como a única forma de sobrevivência familiar. Como sensibilizá-los de modo que possam pensar de maneira diferente?

Essa compreensão está assentada em um paradigma de sociedade desigual, portanto, as pessoas que são vitimadas pela pobreza não vislumbram outra possibilidade para garantir a sobrevivência dos seus que não seja pelo trabalho, por mais prematuro que seja. Considero que, inicialmente, é preciso assegurar às famílias afetadas pela pobreza e pelo trabalho infantil, a efetivação de direitos historicamente negados, de forma que suas necessidades sejam atendidas, sua emancipação garantida e possam perceber saídas concretas para o seu desenvolvimento.

 De que forma o problema está sendo pautado na agenda nacional?

O Brasil é signatário de um acordo, no qual se comprometeu a eliminar o trabalho infantil até 2025 . Para tanto, foi elaborado o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, que está em sua terceira versão construída a partir das revisões dos planos anteriores, pautado em diagnósticos da situação do trabalho infantil no país, constituído por sete eixos estratégicos norteadores das ações de enfrentamento ao trabalho infantil. Cabe dizer que a meta ainda não foi alcançada.

A quem cabe combater o trabalho infantil?

O combate ao trabalho infantil não pode acontecer de forma isolada. Faz-se necessário desenvolver ações continuadas, em rede, que compreendam a comunicação e mobilização da sociedade, a oferta de educação pública de qualidade, assim como a promoção e o fortalecimento das famílias visando à sua emancipação.

Faça as suas considerações finais, caso as ache necessárias.

O Brasil tem uma população de aproximadamente 61 milhões de crianças e adolescentes (0 – 17 anos), esse número, ao mesmo tempo em que revela um grande volume de pessoas, revela a dimensão da responsabilidade que temos para garantir o reconhecimento e a materialização dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, especialmente daquelas que têm os seus direitos violados cotidianamente.