O homem que só enxergou em três dimensões após assistir a filme 3D

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Por Ivanildo Santos 10 de novembro de 2014

Bons filmes frequentemente mudam a visão que as pessoas têm do mundo, mas um deles alterou literalmente a capacidade de um espectador de enxergar a realidade.

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O americano Bruce Bridgeman divide sua vida em duas períodos: antes e depois de ver o filme A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, em 3D.

No dia 16 de fevereiro deste ano, Bridgeman foi ao cinema com sua esposa para ver a obra. Como todo mundo, pagou a taxa extra para comprar os óculos 3D, mas ponderou que seria um desperdício de dinheiro.

O neurocirurgião da Universidade da Califórnia, de 67 anos, nascera com uma condição conhecida como “stereoblind” (ou cegueira estéreo), que faz com que ele não consiga enxergar profundidades.

“Quando a gente sai com amigos e eles apontam para algum pássaro na árvore, eu ainda estava olhando para o alto procurando o pássaro quando eles já tinham terminado a conversa”, conta Bridgeman. “Para todo mundo, o pássaro se destacava no primeiro plano. Para mim, ele não aparecia na paisagem”.

Tudo mudou quando as luzes do cinema se apagaram e o filme começou. De repente, os personagens começaram a “voar da tela”, em uma experiência inédita para o neurocirurgião.

“Era literalmente o surgimento de uma nova dimensão de visão”, lembra ele.

O curioso é que a sensação não durou apenas o tempo do filme. Ao sair, Bridgeman conseguia enxergar as lâmpadas da iluminação pública formando um caminho ao fundo. De repente, começou a perceber a profundidade em vários lugares – e essa sensação dura até hoje.

A ciência convencional diria que o que aconteceu com ele é impossível. A pergunta que intriga os estudiosos é: o que mudou de forma permanente na visão do americano?

Imagens alteradas

Por séculos, diferentes estudiosos, como Leonardo Da Vinci, tentaram entender como funciona a percepção de profundidade.
Uma teoria mais definitiva só surgiu em 1830, quando o inventor Charles Wheatstone conseguiu explicar como duas imagens levemente diferentes – uma formada por cada olho – formam a sensação de profundidade no nosso cérebro. Ele conseguiu reproduzir essa sensação com um aparelho chamado estereoscópio.

Só recentemente é que essas teorias foram melhor compreendidas, quando foram estudados os neurônios que estão por trás da visão estéreo. Os neurocientistas descobriram células no córtex visual – a parte do cérebro que processa a visão – cuja função é responder às diferenças de posição das imagens produzidas por cada olho. Essas células, chamadas de neurônios binoculares, são as que processam nossa visão em três dimensões.

Uma pesquisa de David Hubel e Torsten Wiesel dos anos 1960, que ganhou o prêmio Nobel de Medicina, revelou que existe uma pequena janela durante a infância para se desenvolver neurônios binoculares. Depois que a janela se fecha, a pessoa está para sempre confinada a um mundo de duas dimensões – sem profundidade.

Problema profundo

A condição de Bridgeman é diferente, mas produz o mesmo resultado: a chamada de exotropia, um tipo de estrabismo em que ambos os olhos têm a tendência de vagar para o lado de fora. Com isso, ele nunca consegue focar ambos os olhos em um ponto.

O neurocirurgião se adaptou à vida usando uma série de “truques” que compensam a falta de visão estéreo. Um deles é observar as cores de sombras. Tomemos como exemplo a observação de uma floresta: as folhas e galhos que estão mais longe ficam encobertos pelos que estão no primeiro plano, cada vez que o observador move a cabeça.

O problema é que como muitas pessoas com cegueira estéreo nunca conheceram outro mundo, muitas delas só aperfeiçoam essas técnicas depois de adultas, quando descobrem que são diferentes dos demais.

“[A cegueira estéreo] não é incluída em nenhum teste de oftalmologia padrão”, diz Laurie Wilcox, especialista em visão da Universidade de York, no Canadá. Nem mesmo os exames de carteira de motorista levam isso em consideração.

Bridgeman passou sua vida inteira dirigindo, apesar de saber que muitos de seus familiares ainda têm medo de pegar carona com ele.

Episódio de infância

Os cientistas acreditam que pessoas como ele tiveram alguma experiência breve durante a infância que levou seus neurônios binoculares a se desenvolver apenas minimamente. Depois dessa experiência, eles teorizam, os neurônios nunca mais foram ativados, e por isso esses indivíduos passaram a vida enxergando apenas em duas dimensões.

De fato, Bridgeman diz que lembra ter tido visão binocular em pelo menos um episódio de sua infância, quando construiu um brinquedo de papelão seguindo as instruções em uma caixa de cereal. Nessa brincadeira, ele lembra de ter enxergado algo diferente – a terceira dimensão, de profundidade.

Essa experiência – talvez única em sua vida – pode ter sido suficiente para “religar” sua rede de sinapses após o filme e permitir a volta de sua visão estéreo. É mais ou menos como instalar um programa de computador e demorar anos para usá-lo pela primeira vez.

Para especialistas como Wilcox, a boa notícia é que o cérebro humano pode ser muito mais maleável do que se imaginava.
Este ano, um estudo feito por Dennis Levi, professor da Universidade da Califórnia, detalhou o caso de cinco adultos que cresceram com cegueira estéreo mas que aprenderam a ver em três dimensões com terapia.

Porém, nenhuma teve o “choque” que Bridgeman enfrentou no cinema. Levi diz que a tecnologia 3D simula – de forma não intencional – muitas das técnicas e truques que Bridgeman usou em sua terapia para treinar o olho humano.

Passada a experiência, Bridgeman considera hoje que o dinheiro gasto nos óculos 3D do cinema não foi nenhum desperdício. Pelo contrário, saiu baratíssimo.

“Estou adorando ver o mundo e enxergar as mesmas coisas que os outros. Gosto de observar as florestas e as árvores. Uma árvore vira uma escultura tridimensional, e não apenas um padrão. Isso é um presente para mim.”