Liberdade de pensamento: direito de todos

Liberdade de pensamento: direito de todos
julho 14 08:00 2019

Por: Silen Ribeiro

Foto: Domenico Pugliese

Você sabia que hoje, 14 de julho, é celebrado mundialmente, o Dia da Liberdade de Pensamento? Sabe o que de fato significa esse direito?

Para entender melhor o assunto, convidamos você para ler a entrevista concedida a esta Fundação pelo jornalista, mestre em Educação, doutor em Comunicação, professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e ganhador do Prêmio Especial FAPEMA 2018, Ed Wilson Ferreira Araújo.

Diga-nos, em breves palavras, o que é liberdade de pensamento e por que ela é considerada um direito humano fundamental?

A liberdade, em sentido amplo, é constituinte da sociabilidade humana ao longo da História. Estamos sempre buscando horizontes, vendo além das amarras materiais e das ideias que nos prendem ao obscurantismo. Assim nos libertamos dos dogmas e das seitas. A razão, a ciência e a tecnologia, conquistas da modernidade, são paradigmas fundamentais. O pensamento livre é aquele que se abre ao contraditório para evoluir. Por isso a liberdade de pensamento tem sempre uma relação com a democracia.

Em nosso País, este direito é garantido pela Constituição. Mas como se dá isso na prática?

No artigo 5º da Constituição de 1988 está escrito: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ocorre que essa liberdade é limitada pelos mecanismos de controle da produção e difusão dos bens culturais, devido à concentração empresarial dos meios de comunicação.  Enquanto não houver a descentralização dos meios de produção de bens culturais, incluindo o Jornalismo, não teremos uma plena execução desse tópico tão importante do nosso texto constitucional.

Sabemos que não há direito absoluto e isso inclui, é claro, a liberdade de pensamento. Quais são os seus limites?

Os limites principais estão na falta de uma regulamentação da Constituição Federal. Além do artigo 5º que citei na resposta anterior, tem os artigos 220, 221 e 222. Todos dizem respeito diretamente à produção, distribuição e consumo dos bens culturais que circulam pelos meios de comunicação controlados por seis grandes grupos empresariais proprietários das grandes redes de TV, rádio, jornal e internet. Predomina nesse cenário uma espécie de latifúndio da comunicação que controla quase tudo que assistimos, ouvimos e lemos no Brasil. Enquanto não houver uma regulamentação desses dispositivos constitucionais não haverá um Brasil plural.

A subsistência da liberdade de pensamento está ligada diretamente ao coletivo. Fale-nos um pouco sobre isso.

Como temos a produção de conteúdo extremamente concentrada, essa estrutura dos meios de comunicação gera uma relação desigual na sociedade: poucos falam ou escrevem e a ampla maioria consome. Embora tenhamos o fenômeno da comunicação horizontal, emergente com o advento das redes digitais, ainda é muito forte o poder da mídia empresarial. É algo que vai flexibilizar com o tempo, mas eu observo que a mídia tradicional ainda é predominante na definição das agendas e dos temas sobre os quais as pessoas são influenciadas. Então a liberdade é relativa. Pode ser a liberdade de mudar de canal na TV, por exemplo, mas para outra emissora que produz conteúdo semelhante.

Quais os principais obstáculos que o Brasil enfrenta para que o respeito a esse direito seja efetivado?

Os dois maiores obstáculos estão no Congresso Nacional e na vontade política dos diferentes governos (direita ou esquerda) para modificar o cenário da concentração empresarial. A maioria expressiva dos meios de comunicação está sob o controle de parlamentares e chefes políticos, caracterizando o que se chama de “coronelismo eletrônico”. Por outro lado, a comunicação pública é quase totalmente usada a serviço da vaidade particular dos políticos profissionais. Enquanto a lei não mudar e equilibrar os parâmetros da comunicação privada e pública/estatal seguiremos no mais do mesmo.

Liberdade de pensamento e democracia. Faça uma abordagem sobre essa relação.

Nenhuma sociedade será plural e democrática se mantiver a comunicação concentrada no setor empresarial numa dimensão muito forte como meio de produção de bens culturais. As empresas de comunicação ocupam hoje lugar privilegiado no processo de reprodução do capital. É como se fossem os banqueiros da mídia, em alusão ao poder do sistema financeiro. Em um cenário desses a democracia não frutifica.

A quem cabe defender a garantia desse direito?

Cabe a toda a sociedade, no sentido de se organizar de forma sólida e com foco para pressionar os parlamentos em todos os níveis, assim como o Judiciário e o Executivo. Basta observar, por exemplo, a campanha Para Expressar a Liberdade, organizada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que sistematizou e deflagrou um projeto de lei de iniciativa popular com um texto consistente para regulamentar os artigos 5º, 220, 221 e 222 da Constituição Federal, além de outros dispositivos. Esse projeto é um dos mais ousados no sentido de garantir uma nova lei para a comunicação eletrônica de massa no Brasil. Outro tema urgente é o marco civil da Internet, que precisa de uma atenção especial do poder público.

Considerações finais, caso as julgue necessárias.

Algumas teorias da comunicação percebiam a audiência manipulável ao sabor das vontades e dos desejos do emissor. Essa relação foi alterada porque o consumo dos bens simbólicos é uma prática cultural, ou seja, não se trata apenas de absorver a lógica do emissor. Entre a produção e a recepção existe um terreno onde se processam os sentidos de ambos os lados. O advento das redes digitais e a proliferação das plataformas para produzir e receber conteúdo também acionaram novos dispositivos de ação do receptor, que passa a ser também um produtor. A audiência ativa e barulhenta opera dentro e fora da mídia convencional e organiza as suas próprias narrativas. Além de tudo isso cumpre papel fundamental a mídia popular, comunitária, independente, alternativa e livre, que constituí um campo fundamental para contrapor a comunicação hegemônica. É nesse jogo de forças que a sociedade se movimenta.