“A dengue tem mais impacto que o coronavírus no Brasil”, afirma pesquisadora

Para sanar dúvidas sobre o coronavírus, tema que vem ocupando, diariamente, as redes sociais e as manchetes da imprensa, leia a entrevista concedida à FAPEMA, no dia 03 de fevereiro, pela médica e pesquisadora de doenças infecciosas e parasitárias, Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco.

“A dengue tem mais impacto que o coronavírus no Brasil”, afirma pesquisadora
fevereiro 05 11:06 2020

Por: Cláudio Moraes

Foto e Arte: Odinei de Jesus

Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco é professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no curso de Medicina e nos programas de pós-graduação em “Saúde e Ambiente” e “Saúde Coletiva”, fez residência médica em infectologia pelo Hospital Emílio Ribas / São Paulo, tendo cursado, como bolsista da Fapema, mestrado em Saúde e Ambiente, na UFMA em 1999, e doutorado na Universidade de São Paulo (USP), em 2012.

Ela conta com mais de 150 artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, atuando, hoje, em investigações sobre casos de beribéri notificados no Brasil com o uso de geoprocessamento e análise espacial e temporal da síndrome congênita pelo Zika vírus e Chikungunya no Maranhão.

 

A Organização Mundial da Saúde decretou emergência sanitária global em decorrência do surto coronavírus. Por que? O que isso significa?

O regulamento sanitário internacional define o que é uma emergência de saúde pública de interesse internacional. É um evento que inclui uma combinação de quatro critérios: gravidade de repercussão na saúde pública,  natureza inusitada ou imprevista do evento, possibilidade de propagação internacional e risco de que o evento envolva restrições a viagens ou ao comércio. Então, esse novo coronavírus preenche esses critérios e é por isso que foi decretada a emergência. Isso faz com que os países se prepararem para esse evento, como questão de saúde pública, tanto em termos de prevenção quanto de tratamento.

Mas então isso não se relaciona com a letalidade do vírus… com a possibilidade, por exemplo, da pessoa cair no chão e morrer como está sendo disseminado em algumas publicações nas redes sociais…

Não , não se refere com a letalidade. Não existe essa história das pessoas estarem caindo na rua…. Isso tudo é fake news. Um dos problemas nesses eventos novos são as fake news. Quando se está diante de uma doença nova, que as pessoas têm pouca informação, pouca familiaridade com esse tipo de vírus, é um momento ideal para propagação de fake news.

O que se sabe de concreto sobre a doença?

É uma doença que, embora esteja sendo conhecida agora, porque tudo começou em dezembro de 2019, já se tem muita informação e, aparentemente, pelo que está acontecendo até agora, essa doença tem uma baixa letalidade, provavelmente abaixo de 3%. E também, até o momento, não existe nenhum caso confirmado no Brasil. Então, não há como ter casos de pessoas morrendo no Brasil. A única morte que aconteceu até agora fora da China foi do chinês que morreu nas Filipinas ontem [02/02]. Mas todas as outras mortes aconteceram somente na China.

Quais são os sintomas?

Clinicamente parece muito com o resfriado. A pessoa suspeita, hoje, de ter uma doença dessa é aquela pessoa que tenha febre, sintomas respiratórios, que pode ser tosse, os sintomas de um resfriado e que tenha um dado epidemiológico. Ou seja,estar em uma daquelas províncias com a transmissão na China ou ter contato com uma pessoa que é suspeita de ter esse vírus ou que é confirmado de ter esse vírus. É preciso vincular com esse dado epidemiológico. Então muitos casos suspeitos hoje são descartados porque, na verdade, não é o coronavírus, mas o vírus influenza, por exemplo, o vírus da gripe.

O que é um coronavírus?

É um grupo que inclui sete vírus geneticamente conhecidos e que foram identificados a partir da década de 60. Dentre os mais famosos, tem o que causou a Sars [Síndrome Respiratória Aguda Grave], em 2002, que também começou na China e que tinha uma letalidade de 10%. Depois veio um outro, em 2012, do Oriente Médio.  E, agora, em dezembro de 2019, houve a identificação desse novo coronavírus.

Qual a forma de transmissão?

É um vírus de transmissão respiratória e que, mais ou menos, a gente pode fazer uma comparação com o vírus da gripe  – o influenza. O vírus influenza circula tanto em animais como em humanos. Então, o coronavírus também tem essa característica. Ele pode ser uma zoonose, circulando só entre os animais ou, como o vírus da gripe, pode sofrer uma mutação e ter a capacidade de ser transmitido do animal para o ser humano ou de homem a homem.

Quais as consequências dessa mutação do vírus?

Quando você tem esse tipo de vírus que sofre mutação, fica difícil prever o que pode acontecer e, assim, se faz necessária essa vigilância. Ao se propagar, ele pode ficar mais virulento  e causar doença mais grave ou menos grave. Em geral, ele fica menos virulento quando começa a se propagar. E, aparentemente, é o que acontece com esse coronavírus que está circulando atualmente, porque a letalidade dele é bem inferior ao do Sars de 2002, que era em torno de 10%. E esse está em torno de 2 ou 3%. Mas é claro que isso pode ser revisto depois. Mas não é uma situação pra se ficar em pânico.

O mundo já viu o “mal da vaca louca”  na Europa, houve a gripe aviária e não houve caso no Brasil..

Quando uma doença dessa aparece, há todo um contingenciamento para que ela fique restrita ao território em que surgiu. No caso da Sars, em 2012, não deu muito certo porque a China, inicialmente, não avisou o mundo sobre o que estava acontecendo.  Então, foi por isso que ela se espalhou muito mais do que a possibilidade, hoje, do coronavírus se espalhar. Então se se respeitasse o regulamento internacional, essas doenças chegariam menos. Outra questão é que a China é longe do Brasil, somos um país tropical, quente. E isso tudo favorece para que não se tenha grandes problemas no Brasil.

E a China deu uma resposta muito rápida, tanto na questão da ciência quanto na mobilização de como tratar a situação. Não foi isso ?

Aparentemente, no início, ela não avisou. Demorou alguns dias para avisar o mundo. Mas ela deu uma resposta imediata, fechando o mercado onde aconteceram os primeiros casos,  fechando as cidades para que as pessoas não circulassem mais… E, do ponto de vista da ciência, foi importantíssimo porque imediatamente eles fizeram o sequenciamento genético do vírus e entregaram para os demais países. Então, há hoje um evento que, talvez, nunca tenha tido, na história, uma resposta imediata em termos de sequenciamento genético. E o número de publicações científicas que estão sendo produzidas  é imenso. Todo dia está saindo artigo científico sobre esse vírus. Então, você vai se informando de uma forma bastante segura. E a resposta também foi muito rápida, tanto da China quanto dos demais países em relação a esse vírus.

Por que o confinamento ?

É uma medida de controle, pra tentar deixar o vírus somente onde ele está circulando e não ir muito além dos limites geográficos onde ele surgiu. Mas até ontem [02/02], já havia 18 países com circulação e transmissão. Mas o único óbito fora da China aconteceu nas Filipinas, com uma pessoa que contraiu a doença na China.

O brasileiro deve se preocupar mais com o coronavírus ou com a dengue ?

Nós temos inúmeros problemas de saúde pública, temos um SUS com problema de subfinanciamento muito grave, nós estamos vivendo uma crise econômica…. E a dengue, por exemplo, é uma doença que o impacto é muito grande.  Aqui, em São Luís, nós temos um índice de infestação predial, ou seja, o número de prédios que tem o vetor da dengue, Aedes aegypti, é muito grande, não só São Luís, mas também em várias outras cidades do Maranhão. É uma doença que você precisa não só do governo, mas que as pessoas colaborem, não alimentando os focos, não deixando lixo em lugares inadequados. Precisa de uma higiene muito grande na casa, no quintal para que não tenha foco. E é preciso lembrar que a dengue é uma doença que mata. Por exemplo, em 2017, aqui em São Luís, morreram 24 pessoas, sendo 22 crianças. Então, a gente, enquanto cidadão, teria que se preocupar muito mais com o nosso papel na prevenção dessas doenças do que em divulgar Fake News.

Quais são as recomendações para quem vai brincar carnaval?

Aparentemente, a gente não teria preocupação com essa doença no carnaval. Aparentemente não se está numa situação, ainda, de se preocupar nesse nível. Mas a gente tem que lembrar da prevenção. E a prevenção desse coronavírus é muito relacionada a hábitos básicos de higiene, que a gente deveria ter em qualquer situação, independente de ter coronavírus. Por exemplo, a gripe tem a mesma transmissão desse vírus e a gripe também é uma doença que pode matar. Pode matar, inclusive, pessoas jovens, que previamente não tinham nenhum problema de saúde, pode matar obesos, grávidas e idosos. E você se previne disso com medidas básicas de higiene: não pegar no nariz, nos olhos, na boca. Se pegar, deve lavar, deve lavar as mãos depois. Estando com a mão suja de secreção respiratória, deve evitar pegar em qualquer coisa.  Sempre lavar…  Então, esse cuidado com a higiene da mão deve ser muito grande. Não tossir nem espirrar em cima das pessoas… São medidas básicas de higiene que ajudam muito a evitar a transmissão dessas doenças respiratórias. O carnaval lembra um momento de muita bebida e em que as pessoas deixam de usar o preservativo e acabam contraindo uma doença sexualmente transmissível. Então, no carnaval, temos que lembrar muito das doenças sexualmente transmissíveis e se prevenir.

Para saber mais, acesse o site do Ministério da Saúde.

 

Por Cláudio Moraes

Foto e Arte: Odinei de Jesus