Brasil precisa de políticas públicas para restringir o acesso de adolescentes ao álcool
O Brasil é referência mundial na redução do tabagismo. Em compensação, o alcoolismo, especialmente entre adolescentes, continua um problema sem solução.
“Estamos a anos-luz de distância do que poderia ser feito aqui e também do que tem sido feito nos países desenvolvidos com base em evidências científicas”, disse Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e ex-consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) para políticas de drogas no Estado de São Paulo.
Ela participou do seminário “Álcool, Drogas e Adolescência”, realizado no contexto do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, no dia 27 de maio. Os eventos da série ocorrem uma vez ao mês na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e são resultados de uma parceria entre o Instituto do Legislativo Paulista (ILP) e a FAPESP.
Segundo Sanchez, há no Brasil uma enorme lacuna entre as evidências científicas e a implementação de políticas públicas. E isso é especialmente verdadeiro em relação ao consumo de álcool. “Existem centenas de programas para reduzir a demanda. Porém, muito mais eficazes do que esses programas são as políticas públicas de restrição ao acesso. Não estou falando em proibição. Estou falando em limites. Limites para a propaganda e para a venda etc. E também estou falando da aplicação da legislação existente”, disse.
Sanchez mencionou uma orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que aponta cinco eixos comprovadamente eficazes na diminuição dos danos causados pelo álcool na população: limitar a disponibilidade do álcool; ampliar as restrições a beber e dirigir; ampliar as restrições à publicidade, ao patrocínio e à promoção do consumo de bebidas alcoólicas; taxar as bebidas alcoólicas para forçar o aumento do preço; e aumentar o acesso da população ao diagnóstico e a intervenções breves de tratamento do alcoolismo.
Exceto as restrições a beber e dirigir, nenhuma das outras recomendações tem sido implementada no Brasil de forma realmente consistente e eficaz. “Há inúmeras evidências de que a publicidade induz o consumo precoce de bebidas alcoólicas. E sabemos que, quanto mais cedo uma pessoa começa a beber, maior a propensão de ela se tornar dependente de álcool na idade adulta”, afirmou Sanchez.
Sobre a limitação da disponibilidade, seria preciso um controle muito mais rigoroso dos pontos de venda, das distâncias entre os pontos de venda e as escolas, dos horários de venda e dos horários de funcionamento dos bares. Porque é sabido que muitos estabelecimentos não cumprem a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos.
Em relação a restringir o patrocínio e a promoção, a pesquisadora falou da proliferação de baladas do tipo open bar, que induzem os participantes ao consumo abusivo (binge drinking), promovendo gincanas nas quais a pessoa que beber mais não precisa pagar a conta.
“Quanto à taxação, ela é hoje, no mundo, a política número um para reduzir os danos causados pelo alcoolismo. É preciso que haja uma política implementada em caráter nacional”, disse.
Outra palestrante do seminário, Tatiana Amato, pesquisadora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp e integrante do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias (Nepsis), enfatizou que a educação sobre álcool e drogas não deve se pautar por uma perspectiva moralista, que só faz criar desinteresse e resistência no público-alvo.
“As diversas avaliações que temos feito mostram que a educação sobre álcool e drogas adotada atualmente no Brasil não dialoga com os adolescentes. Há necessidade de novas metodologias para que esse diálogo ocorra e as mudanças importantes de fato aconteçam. Por isso, temos avaliado a abordagem da redução de risco. Muito além de ensinar aos jovens que existem perigos associados ao consumo de drogas, ela traz à discussão coisas que, de fato, acontecem na vida desses jovens. E apresenta estratégias para que eles fiquem em segurança”, disse Amato à Agência FAPESP.
Por meio do Programa de Estímulo à Saúde e Redução de Riscos Associados ao Uso de Álcool Aplicado ao Ambiente Escolar (Perae), Amato e colaboradores têm atuado em escolas, convidando os alunos a discutir situações reais com componentes de risco. Por exemplo, perder a carona de volta para casa depois de uma festa. São experiências pelas quais os adolescentes passam e que podem estar relacionadas ou não com o consumo de álcool ou drogas. O objetivo é que os estudantes encontrem estratégias seguras para lidar com tais situações.
“É importante entender o consumo de álcool e drogas em uma perspectiva de desenvolvimento humano, como algo que faz parte das experiências de vida de muitas pessoas. Para algumas delas, isso vai gerar dependência e até comportamentos de risco. Para outras, não. A teoria bioecológica nos permite compreender que esses comportamentos vão muito além das escolhas individuais. E decorrem da interação das características do indivíduo com características da família na qual cresceu, do bairro onde mora, da escola que frequentou ou frequenta e de outros sistemas mais amplos, como a cultura do país etc.”, afirmou a pesquisadora em sua apresentação.
Encontrar a forma correta de lidar com esses comportamentos é fundamental em um momento tão crítico como a adolescência, no qual a pessoa passa por transformações radicais tanto no domínio biológico quanto emocional e intelectual.
“A gente sabe, pelas neurociências, que tudo isso possui um substrato cerebral. Está relacionado especialmente com o amadurecimento do córtex pré-frontal”, afirmou Paulo Jannuzzi Cunha, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e pesquisador do Laboratório de Neuroimagem dos Transtornos Neuropsiquiátricos.
“Um dado bastante contundente é o de que as funções cognitivas permanecem afetadas anos após o consumo de drogas. E que, quanto mais precoce o consumo, maiores são os danos. Maiores também as chances de recaída durante o tratamento. Isso pode acontecer tanto com a cocaína quanto com o álcool e a maconha. Por isso, é muito importante definir políticas públicas que ajudem o jovem a não usar, ou ao menos a postergar o uso de álcool e drogas”, disse.
O pesquisador Gabriel Andreuccetti, do Departamento de Medicina Legal da FM-USP, falou sobre a associação entre o uso de drogas e a violência entre jovens, destacando os acidentes de trânsito. Andreuccetti argumentou que as experiências exitosas de outros países podem ajudar os profissionais que trabalham na área no Brasil.
Participaram do evento o deputado estadual Rafael Zimbaldi (PSB), presidente da Frente Parlamentar de Combate e Enfrentamento às Drogas; Vinícius Schurgelies, diretor-presidente do Instituto do Legislativo Paulista (ILP); e o professor Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.
Fonte: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP