Com apoio da FAPEMA, espetáculo “Memórias em Maranhês: A Casa” percorre o Maranhão resgatando identidades e fortalecendo a cultura popular

Por Elizete Silva 18 de junho de 2025

Em uma iniciativa que entrelaça arte, memória e desenvolvimento, o espetáculo Memórias em Maranhês: A Casa vem percorrendo territórios do Maranhão com um objetivo claro: valorizar os saberes tradicionais, fomentar a escuta poética e fortalecer a identidade cultural maranhense por meio do teatro. Realizado pelo Grupo Cena Aberta, o projeto ganhou corpo e novos horizontes a partir do apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), via Edital de Economia Criativa em parceria com o SEBRAE.

Mais que um espetáculo, trata-se de uma experiência poética e política de presença. A montagem convida o público a uma viagem sensível pelas memórias de uma menina nascida no Quilombo Liberdade, em São Luís, evocando infâncias amazônicas e saberes populares em uma dramaturgia que desafia as narrativas vigentes. Combinando música ao vivo, formas animadas, cultura popular e corpo-brincante, a narrativa se desenrola em três episódios – “Árvore Mangueira”, “Tio João” – que evocam ancestralidade, escassez, relações familiares e oralidades recriando o cotidiano de um Maranhão que pulsa dentro das casas, nos quintais, nas festas e nas lutas diárias.

Essa casa, que dá título ao espetáculo, é metáfora e território. E quando o grupo apresenta a obra em barracões de bumba-meu-boi, aldeias indígenas ou comunidades urbanas periféricas, estabelece-se um vínculo simbólico profundo entre a cena e os espaços de memória coletiva. A proposta não se limita ao palco: cada apresentação é acompanhada de ações de mediação cultural, rodas de conversa e vivências formativas, com foco na troca horizontal e no reconhecimento dos territórios como centros legítimos de produção de conhecimento. E assim, se configura o plano de negócio elaborado pelo grupo no âmbito do edital, inaugurando rotas de produção teatral que dialoguem responsavelmente com os territórios historicamente marginalizados, mas que apresentam uma organização comunitária significativa para o entendimento cultural do estado.

Tradicionalmente reconhecida pelo incentivo à pesquisa científica e à inovação, a FAPEMA, com esse edital, reafirma que investir em cultura é também uma estratégia de desenvolvimento social, humano e territorial. A cultura, enquanto campo produtivo da chamada “economia criativa”, movimenta redes de afetos, saberes e renda, além de projetar o Maranhão como um estado inventivo, plural e profundamente enraizado em suas tradições.

A montagem é também ancorada na pesquisa de doutorado em Artes Cênicas da autora Necylia Monteiro na Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, orientada pela professora Dra. Luciana Lyra (UERJ) financiada pelo edital Doutorado no País (FAPEMA). Nela, a pesquisadora destaca o processo criativo dramatúrgico ligado à sala de ensaio e aos atores numa perspectiva performativa e ancorada nos princípios da cultura popular maranhense como o canto resposta, a roda, as diversas sonoridades, o jogo dramático nas brincadeiras e claro o dialeto maranhês, que fortalece as palavras e expressões através dos personagens.

Nas palavras da autora, “Memórias em Maranhês: a casa”, conta a história da minha família, genuinamente maranhense que traz identificação e orgulho na plateia mostrando uma brasilidade às vezes esquecida no que se conhece por ‘nordeste’. Ao longo desses quatro anos minha pesquisa junto ao grupo foi um verdadeiro mergulho em nossas histórias e em nossa cultura de brincantes, enquanto dramaturgista meu trabalho era ficar atenta às experimentações do grupo e propor estudos enquanto o texto se modificava a cada encontro”, considerou Necylia Monteiro.

O espetáculo vem sendo apresentado em espaços diversos como a Aldeia Arymy, do povo Guajajara, e o Quilombo Urbano da Liberdade, além de escolas públicas, centros culturais e festivais. Para o próximo ano, está prevista a expansão da circulação por barracões de bumba-meu-boi de sotaque de matraca e da baixada da Grande Ilha de São Luís, além de cidades do interior, como Penalva, fortalecendo o vínculo com comunidades ligadas às manifestações populares. Cada ciclo é também documentado em vídeo, com destaque para o videoclipe da canção “Moça Mangueira”, composta por Larissa Ferreira e Tiago Andrade, e os curtas documentais que ampliam o alcance da proposta em plataformas digitais, que estão com estreias previstas ainda para 2025. No dia 11 do mês de julho, apresentarão no Teatro Sesc Napoleão Ewerton em São Luís, gratuitamente, para toda a comunidade maranhense e também como desdobramento contínuo do edital, no projeto.

Para Victor Silper, analista de cultura do Sesc-MA e coordenador pedagógico da Gestus – Empresa Júnior de Produção Cultural da UFMA, parceira do projeto, o apoio da FAPEMA tem papel estratégico. “O edital contribui para descentralizar a produção artística e valorizar criações enraizadas na identidade local. Projetos como esse não apenas fortalecem toda uma cadeia produtiva da cultura — gerando renda e emprego, o que já é muito significativo — como também estimulam o diálogo criativo na economia, mostrando que o Maranhão tem muito a dizer e a ensinar por meio da arte, da cultura e de boas práticas econômicas”, pontuou Silper.

Esta é também a primeira grande circulação do Cena Aberta sem a presença física do mestre Luiz Pazzini, referência do teatro maranhense e fundador do grupo. Sua ausência, no entanto, gerou como desdobramento a criação do Memorial Luiz Pazzini, espaço-sede do grupo que abriga acervos, bibliografias e registros pedagógicos, funcionando como centro de memória e pesquisa viva em teatro e cultura popular. O memorial vem sendo ativado com ações formativas e rodas de leitura, reforçando o compromisso do grupo com a continuidade de uma pedagogia teatral ética, territorial e coletiva.

A experiência reafirma o potencial multiplicador de iniciativas como essa. O espetáculo não só fomenta novas narrativas e gera empregos diretos e indiretos, como inspira coletivos a desenvolverem projetos que também dialoguem com suas raízes. O legado do projeto ultrapassa a cena: ele reverbera em cada comunidade visitada, em cada parceria firmada, em cada memória registrada.

O Edital de Economia Criativa FAPEMA/SEBRAE é, portanto, mais que uma política de incentivo — é uma ponte entre territórios e possibilidades. Ao compreender a arte como vetor de desenvolvimento e de pertencimento, a FAPEMA amplia seu campo de ação e oferece uma resposta concreta à necessidade de políticas públicas que enxerguem na cultura um bem comum e estruturante.

Em um cenário de urgências culturais, a circulação de Memórias em Maranhês: A Casa representa um gesto de retorno ao chão de onde nascem as histórias. E com o apoio certo, como o da FAPEMA, essas histórias não apenas resistem — elas florescem em cena.