Consumismo infantil: esse problema é de todos

Por Leidyane Ramos 26 de março de 2018

Texto: Silen Ribeiro

Foto: Internet

No dia a dia, é muito comum a utilização dos termos consumo e consumismo como sinônimos. É preciso, no entanto, que isso seja desmitificado. Enquanto no primeiro as pessoas adquirem apenas o necessário, no segundo há compras em excesso de produtos e serviços supérfluos, sendo uma das características culturais mais destacadas da atual sociedade. Importante ressaltar também que nas chamadas datas comemorativas, tal como a Páscoa (quando vista sob um viés não religioso), o apelo ao consumismo se torna mais visível, alcançando pessoas de todos os gêneros, crenças, poder aquisitivo e faixa etária.

Por vivenciarem uma fase singular de desenvolvimento – sendo, portanto, mais indefesas que os adultos – as crianças sofrem cada vez mais cedo com os graves resultados desse consumismo, tais como erotização precoce, e obesidade. No que se refere a este último, segundo alerta divulgado pela Federação Mundial de Obesidade, em 2017, caso não haja uma mudança de hábitos, em menos de uma década, ela pode atingir 11,3 milhões de crianças no Brasil.

Para a psicóloga Margareth de Jesus Costa Santos, ao intensificar o consumismo, como acontece no período da Páscoa, inúmeras e graves são as consequências para a criança e seu desenvolvimento. “Desde as implicações na alimentação, até transtornos psicológicos gerados pela necessidade de aquisição e ainda a dificuldade de lidar com as questões financeiras”, afirma.

Além disso, Margareth ressalta que no decorrer do desenvolvimento da criança, o seu comportamento consumista tem que ir sendo modificado, o autocontrole tem que ser exercitado, adiando a realização de alguns de seus desejos e vontades. “Se isso não acontecer, poderá implicar sérios resultados para ela, tais como sintomas de transtornos de ansiedade, em que a criança momentaneamente acredita que pode realizar todos os seus desejos imediatamente”, completa.

Comunicação mercadológica voltada para a criança Dados do último censo realizado pelo IBGE mostram que 28% do total da população brasileira têm menos de 14 anos. De acordo com informações do instituto Alana – organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que aposta em programas que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância – são mais de 35 milhões de crianças até 10 anos de idade, que alimentam um mercado que movimenta cerca de 50 bilhões de reais.

Instrumento imprescindível quando o assunto é consumismo, a comunicação mercadológica tem contribuído de maneira decisiva para a intensificação de uma sociedade cada vez mais consumista e alienada, moldada aos parâmetros ditados pelos meios de comunicação de massa. E ela tem se aprimorado a cada dia para atingir o público infantil – porque o percebe como potencial consumidor – estabelecendo com ele um elo de afinidades, usando para isso mecanismos efetivos: músicas envolventes, efeitos especiais etc.

Há uma série de pesquisas que demonstram claramente que toda comunicação mercadológica, todos os ícones, signos e formas de vender produtos para a criança podem ser danosos para ela própria e para sociedade como um todo. Para a bacharel em Direito e jornalista militante da área da infância, Lisandra Leite, o primeiro problema é o uso do vulnerável. “Alguns estudos mostram que as crianças têm na televisão um forte influenciador do seu comportamento, do seu pensamento, do seu desejo, da sua formação.Outros estudos expõem que muitas vezes o que as famílias consomem é determinado pela criança. Então, a publicidade infantil é usada para atender um objetivo de mercado”, diz.

Mesmo que na prática a comunicação mercadológica voltada para criança ainda ocorra explicitamente, pode-se considerá-la proibida. A Constituição no seu artigo 227 aborda de forma geral a proteção da criança e por isso ela serve de base para toda e qualquer a ação que venha coibir a influência negativa da comunicação mercadológica sobre ela. De acordo com Lisandra Leite, há também outros diplomas legais. “O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, traz uma série de aspectos que devem ser observados pela propaganda para a proteção de todos, especialmente da criança. Diz que ela precisa ser claramente entendida. Ou seja: não pode ser sublimada, enganosa. Além disso, mostra explicitamente que é abusiva qualquer comunicação mercadológica que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. Esse tipo de comunicação é uma afronta à legislação brasileira em suas várias formas”, afirma.

Lisandra Leite destaca ainda a resolução163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que detalha os aspectos dessa chamada comunicação mercadológica, tais como: não poder utilizar, por exemplo, linguagem infantil; colocar música que são do universo infantil cantada por crianças, efeitos especiais, entre outros. “Tudo isso sempre foi usado pela publicidade brasileira para convencer a criança e agora é proibido. A resolução do Conanda tem força normativa de lei. Então ela deve ser observada em qualquer comunicação mercadológica voltada à criança”, frisa.

Por interesses próprios ou desinformação, alguns afirmam que essa resolução se trata de censura. Isso não é verdade. Criança tem prioridade absoluta e seus direitos detêm preferência quando ocorrem conflitos de interesse. Ela busca definir critérios para a proteção do público infantil. “O que nós temos hoje no movimento da infância é toda uma tentativa de regular a comunicação mercadológica voltada para a criança, considerando que isso que empresários chamam de autorregulamentação não é suficiente”, finaliza Lisandra.

Essa especial preocupação em proteger as crianças para não serem passíveis da influência da comunicação mercadológica há em alguns países, como Alemanha, França, Estados Unidos e até a nossa vizinha Argentina, onde já existem regras claras para isso.

Outro fator de atenção: venda casada

Nos dias atuais, é muito comum a venda de um produto, trazendo outro que geralmente desperta o interesse ainda maior, não podendo ser vendidos em separado. Ou seja: condiciona o consumidor a só adquirir o segundo produtos e adquirir o primeiro. Isso caracteriza a chamada venda casada.

Na Páscoa, por exemplo, isso é facilmente verificado nos ovos de chocolate, especialmente os voltados para o público infantil, quando trazem objetos como bichos de pelúcia, bonecos de super-heróis, etc., tornando os seus preços, vias de regra, superiores aos demais, ainda que da mesma qualidade e quantidade.

De acordo com o defensor público estadual, Gabriel Santana Furtado Soares, que atua no Núcleo e Defesa do Consumidor, a venda casada, é considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. “Em uma situação como essa, o consumidor pode procurar algum órgão de defesa, como Defensoria Pública,
Procon, Ministério Público e até mesmo juizado do consumidor para fazer denúncia e eventualmente coibir a venda, coibir a prática”. Completa.

Mas de quem é a responsabilidade de fazer frente ao consumismo infantil?

É preciso lembrar que pais e responsáveis desempenham um papel fundamental quando o assunto é consumismo infantil, não esquecendo que é de suma importância, inclusive, avaliarem seus próprios comportamentos, tendo em vista que as crianças costumam seguir modelos estabelecidos pelos adultos com os quais convivem. No entanto, esse problema não se restringe ao âmbito familiar. É necessário, portanto, ampliar as discussões sobre o tema, envolvendo, também a escola, o poder público e a sociedade em geral. A responsabilidade cabe a cada um de todos!