Intolerância e Preconceito não vão nos calar

Por Silen Ribeiro 12 de abril de 2019

Texto: Silen Ribeiro

Fotos: Divulgação

Existe intolerância religiosa no Brasil? Se a sua resposta for ‘não’, vai uma dica: você precisa rever seus conceitos. E aqui vai uma pequena amostra: levantamento do Ministério dos Direitos Humanos, realizado por meio do Disque 100, entre janeiro de 2015 até o primeiro semestre de 2017, aponta 1.486 denúncias de discriminação religiosa no período. Isso significa, em média, uma a cada 15 horas. A análise ainda mostra que 39% das vítimas são pessoas de religiões de matriz africana, comprovando que estas representam a maioria quando a pauta é intolerância religiosa. Ressalta-se, ainda, que esses dados acima expostos são subnotificados, já que há receio de muitas pessoas em fazer esse tipo de denúncia, e que a intolerância religiosa é sim um dos grandes desafios a serem superados em nosso país. Considerando esses aspectos, aliados a muitos outros, é que diversas iniciativas de enfrentamento têm surgido. Entre elas, destaca-se aqui o projeto “Religiões Afro-Maranhenses e Festas Populares”.

O principal objetivo do projeto é apresentar e inserir os alunos orientando-os no universo da pesquisa científica de bases antropológicas, particularmente na Antropologia Cultural e das religiões de matriz africana fazendo com que possam conhecer melhor, redescobrir e direcionar ‘novos olhares’ sobre o estudo da História da África e suas culturas, a partir do contexto ‘local’, da cidade de São Luís do Maranhão, respeitando e cumprindo as diretrizes curriculares das leis 10.639/03 e 11.645/08.

Para o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA,) e coordenador do projeto, Gerson Lindoso, o trabalho é uma forma clara de combate aos racismos variados, preconceitos, discriminações e toda sorte de intolerâncias.

“Com ele, nossos alunos estarão mais preparados no que se refere à compreensão da luta dos povos de matriz africana no Brasil frente aos racismos religiosos e a luta contra todos os tipos de violências simbólicas e físicas em relação às populações e comunidades de terreiros, passando a observar as religiões afro-brasileiras em São Luís e de forma geral com um olhar científico, mais apurado”, diz.

Desenvolvido de modo contínuo desde 2012, – a partir do primeiro edital de formação de alunos de Ensino Médio da rede pública, o Prociência – a fase atual, com vigência de setembro de 2017 a setembro de 2018, é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) por meio do Edital 06/2017 – Geração Ciência.

Lindoso conta que o projeto surgiu a partir da necessidade de colocar em prática os conhecimentos e experiências adquiridos em sua graduação de Letras e no Bacharelado em Comunicação Social-Jornalismo, quando já desenvolvia pesquisas de iniciação científica no Grupo de Pesquisa Mina, Religião e Cultura Popular (GPMINA) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e coordenado pelos antropólogos Sergio Figueiredo Ferretti (falecido em maio e será o homenageado do Prêmio Fapema 2018) e Mundicarmo Ferretti.

Também, como determinante, o professor aponta o seu veio político da militância em prol das populações afrodescendentes e dos povos tradicionais de matriz africana em São Luís, bem como o cumprimento das leis 10.639-03 e 11. 645-08. Por fim, coloca como uma das principais motivações o fato de que as instituições educacionais brasileiras são verdadeiros ‘paraísos de preconceitos’ e acepção de pessoas. “Infelizmente, essa ainda é uma realidade brasileira”, aponta.

Na fase atual do projeto, o grupo é formado pelos seguintes pesquisadores bolsistas: Ítalo Fabrício S. Vieira, Lucas Diniz, Lucas Coimbra, Ricardo Nascimento e Rychard Bezerra.“Além deles, há inúmeros outros alunos que frequentam nosso grupo de pesquisa mesmo sem bolsa, a exemplo da aplicada aluna do ensino superior, da Licenciatura em Artes Visuais, Fabíola Dominice”, explica Gerson Lindoso.

Segundo Fabíola Dominice, o projeto se propõe a dialogar com personagens, lugares e acontecimentos, elementos fundamentais para o conhecimento e valorização da identidade, história e memória. “Desse modo, saber ouvir e se relacionar com pessoas através das suas trajetórias socioculturais são fundamentais para construir o respeito e a produção científica que alcança espaços e pessoas para além da universidade”, aponta.

Já Ítalo Fabrício Vieira afirma que o projeto tem proporcionado a ele um leque de descobertas significativas que contribuem muito para a construção do seu senso crítico em relação às festas populares e eventos de cunho de matriz africana. ”É gratificante poder contribuir para memória desse projeto. O trabalho de pesquisa abre, além de portas, mentes para a nossa diversidade cultural, técnica ou científica”, diz.

Ações

E esse grupo que está à frente do projeto nesta atual etapa, realmente tem feito a diferença. Já foram tantas as ações desenvolvidas que não há espaço suficiente nesta publicação para mostrar todas. Por isso, registram-se somente algumas delas, mas que, com certeza, demonstrarão de forma significativa a amplitude dos trabalhos:

Participações: reuniões do Grupo de Estudos Afro-brasileiros e Culturais (Geabrac), onde são discutidos textos antropológicos, históricos, da Cultura Popular Maranhense, além de relatórios de pesquisa e de experiências de campo; Encontro Inter-Religioso- Diversidade Religiosa: conhecer respeitar e conviver; 1º Encontro da Consciência Negra no Ilê Ashé Ogum Sogbô, terreiro de Tambor de Mina; I Fórum de Tambor de Crioula do Maranhão; II SIALAT- Seminário Internacional América Latina: Políticas e Conflitos Contemporâneos, em Belém, (na ocasião, o grupo apresentou trabalho de pesquisa sobre o conflito na comunidade do Cajueiro-MA); Festa de Iemanjá, no Olho d’Água, dia 31 dezembro; Videoconferência nacional de povos de matriz africana; plenária dos povos de matriz africana em São Luís (foco: organização da caminhada contra a intolerância religiosa – Racismo Religioso); Caminhada dos povos de matriz africana em São Luís, contra o racismo religioso e intolerância – “Quem é de Axé Diz que é!”; Ritual da Bancada de Moças e Tobóssis no Ilê Ashé Ogum Sogbô; Video-conferência nacional de povos de matriz africana; Fórum Social Mundial em Salvador – especialmente do Encontro Nacional de Povos de Matriz Africana.

Visitas: Memorial ‘Mãe Menininha do Gantois’(além do museu em memória à mãe menininha, houve visita ao terreiro de Candomblé Ilê Iyá Omi Axé Iamassê, construído no séc. XIX e tombado pelo Iphan em 2005); Fundação Cultural e Casa de Cultura Jorge Amado. Terreiro de candomblé Casa de Oxumarê. (Todos esses locais visitados, citados anteriormente, estão localizados na cidade de Salvador); museus, casas de Cultura Popular e bibliotecas para fins de pesquisa bibliográfica na cidade de São Luís.

Apresentação de trabalho: no II Encontro Maranhense sobre Gênero, Educação e Sexualidade – EMGES (UFMA);

Realização de pesquisa: sob a responsabilidade dos orientandos oficiais, envolvendo os seguintes subtemas: Festas afro-religiosas; Racismo religioso/ Intolerância; Estética afro-religiosa; Performances e danças dos deuses; Sincretismo religioso na festa do Divino Espírito Santo em São Luís e Arte Afro-Brasileira.

Organização da palestra: “130 anos da Falsa Abolição da Escravatura”, no IFMA São Luís-Centro Histórico.

Viagem de estudo: Ida ao município de Alcântara para pesquisa de campo sobre a festa do Divino Espírito Santo.

Outros desafios, mudanças e apoio

Gerson Lindoso também afirma que é algo extremamente desafiador fazer pesquisas no âmbito da Antropologia das religiões de matriz africana e da cultura popular maranhense e trazer isso para o ambiente escolar e acadêmico. “Os nossos povos de matriz africana, as comunidades de terreiros, as suas vertentes afro-religiosas, o Tambor de Mina, o Terecô, a Pajelança, a Umbanda, o Candomblé, entre outros, são ainda, infelizmente, muito estigmatizadas dentro da nossa sociedade brasileira, incompreendidas e confundidas de modo estarrecedor com magia maléfica ou mesmo demonizadas e perseguidas por outras denominações religiosas”, afirma.

Mesmo que pequenas, ele acredita que as mudanças vão ocorrendo. “É muito gratificante ver alunos egressos do nosso grupo de pesquisa no ensino superior, estudando em instituições acadêmicas como a UFMA, UEMA, etc. É louvável escutar que as leituras dos romances de Jorge Amado, especialmente ‘O Compadre de Ogum’, surtiram efeitos positivos no combate aos racismos religiosos e na acepção de conhecimentos sobre as culturas de matriz africana em profundidade”.

No que se refere ao apoio da Fapema, ele é enfático em dizer que a Fundação está dando um salto estratosférico ao apoiar uma iniciativa como essa, pois está mostrando que o conceito de ciência e os seus ‘modos de fazer’ estão muito além de certas áreas científicas, desconstruindo certas representações socioculturais sobre o que vem ser ciência e fazer ciência, que estavam por demais caricaturizadas ou estigmatizadas no cenário científico brasileiro, demonstrando que os seus sentidos e significados estão no domínio da totalidade. “Podemos fazer ciência sim, tendo como objeto de estudo uma festa popular, um rito de passagem ou mesmo uma manifestação da nossa cultura maranhense”, fala.

Finalizando, faz mais um alerta “enquanto a nossa sociedade brasileira e maranhense, especificamente, ainda persistir em fazer acepção de pessoas pela sua cor da pele, ou por suas identidades e também religião, teremos muito trabalho a fazer, pois vemos que somente através da educação podemos mudar essa triste realidade”.