Jogos sérios como instrumento de engajamento e aprendizagem
Por: Silen Ribeiro
Foto: Leandro Araújo
Com pós-doutorado pela Boston University, mestre e doutor em Ciências da Computação e Matemática Computacional, professor da Universidade Federal do Maranhão e autor do projeto “Um ambiente de autoria de jogos sérios em nuvem de computadores” – desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAPEMA), por meio do edital 010/2015 – BEPP -, Mário Meireles fala nesta entrevista sobre a importância do uso de ferramentas tecnológicas no âmbito da educação, com destaque para os jogos sérios, também conhecidos como serious games. Confira!
Muitas vezes, a escola não é um ambiente atrativo para os alunos. Em sua opinião, qual o porquê disso e de que forma a tecnologia pode contribuir para que isso seja modificado?
Anteriormente, o conhecimento vinha do professor, dos livros. Depois, as pessoas começaram a buscá-lo na web. E hoje o conhecimento vem de todo lugar. Sabemos que a geração atual é altamente conectada e que aprende por muitos meios. Ela consome, por exemplo, entretenimentos através da web, de serviços de música, tipo spotify, jogos, etc. E a escola, muitas vezes, parece que ficou parada lá atrás, naquela velha coisa do professor, apoiado por um livro texto, transmitindo conhecimento. Sabe que isso evoluiu e que nem todas as escolas são assim, mas eu acredito que a maioria ainda siga esse modelo. Então, o professor tem que se libertar daquilo que ele sempre fez. Ele tem que se atualizar tecnologicamente. E quando eu falo isso, não é fazer uso, por exemplo, de power point. Isso já passou. Refiro-me à atualização em termos de novas fontes de conhecimento, de novas metodologias em que o aluno se torna o agente, o autor do conhecimento, e o professor sai da posição de elemento central, do oráculo e passa a ser o parceiro nesse aprendizado. Você ensina o aluno a aprender, a pesquisar e você aprende muito nesse processo. E o professor tem que estar disposto a isso. Mas é uma coisa difícil porque ele tem que se desvestir de toda a sua autoridade e assumir que os alunos também sabem, tornando o processo mais participativo. O docente então passa a ser apenas mais uma fonte. E quando digo apenas, não é desmerecendo-o, mas afirmando que há muitas outras fontes. E existem estratégias para que isso aconteça. Posso citar, por exemplo, os jogos, que são ferramentas positivas para o ensino aprendizado.
O docente, então, pode ser um agente de transformação e inovação do ensino, mas muitas vezes ainda tem dificuldades no que se refere à inclusão da tecnologia em suas práticas pedagógicas. O senhor pode nos falar um pouco mais a respeito disso?
As pessoas, em geral, têm muito medo de tecnologia, porque não há uma formação de fato nessa área. Por exemplo: ainda hoje, na maioria das escolas, não é oferecido curso de tecnologia aos jovens. Há cursinhos de programação, introdução à informática, mas não é disso que estamos falando. Hoje existe uma linha chamada pensamento computacional, que é ensinar as pessoas a pensar de forma computacional, que é a questão do raciocínio lógico, da resolução de problemas, planejamento. Algumas escolas de São Luís já oferecem isso. E é uma coisa que lá fora, como por exemplo, no Japão, Estados Unidos e em alguns países da Europa, já houve a implantação dessa disciplina desde o início. Ou seja: pensamento computacional como sendo tão importante quanto aprender a ler e a escrever.
Um dos ramos de maior crescimento no mundo é o dos jogos eletrônicos, vistos como algo que pode ser aproveitado em diversas áreas, inclusive na de educação, os chamados jogos sérios, também conhecidos como serious games. Por favor, fale-nos a respeito deles.
Usado em vários campos, desde o final do século passado, início deste, eles possuem objetivo que vai além do entretenimento. Há exemplos de jogos funcionando como simuladores de trânsito, por meio dos quais as pessoas aprendem a dirigir. Neles, aparecem várias situações de trânsito em que as pessoas resolvem no simulador. Então, quando elas vão para a rua, já possuem certo conhecimento prático. Há jogos sérios para tratar de fobias, por exemplo, de aranhas. Eles projetam aranhas holográficas e as pessoas têm que colocar as mãos e deixar as aranhas subirem. E é algo extremamente real, com óculos de realidade virtual, etc. Na verdade você não está lidando com o real, e sim com a situação próxima do real. Então os jogos vão nessa linha. Neles, existem metas, fases a cumprir, ranking de jogadores, etc. Quando cumprem as etapas, as pessoas estão adquirindo conhecimento, estão avançando. E tudo isso de forma lúdica. Não é aquela coisa de “vou sentar para estudar”. Nós já os usamos em nossos cursos e percebemos que as pessoas se envolvem muito. Elas gostam e essa dinâmica é bem interessante para o aprendizado, que vem como consequência. Isso tudo promove o engajamento, que é o que queremos buscar. Quem se envolve passa a fazer as coisas não por obrigação, mas por prazer. É mais ou menos quando você tem uma turma e a leva para um trabalho de campo, para fora da sala de aula. Qual a turma que não gosta? Porque sai da rotina. Você vai ensinar toda a disciplina com o trabalho de campo? Evidentemente que não. Você tem que ter aula, estudo, a parte dita “chata”. Mas você vai ter mais algumas atividades que são mais lúdicas e vão fazer com que a turma se engaje mais. No fundo são experiências que fazemos e vamos tendo o feedback dos alunos. Com isso, vamos avançando, corrigindo. Tem o lado que pode ser um pouco ruim, que é o da competição, que pode inibir algumas pessoas. Então, a questão do ranking, da comparação, pode não ser tão interessante para alguns contextos.
Com o apoio da Fapema, por meio do edital 010/2015 – BEPP, foi desenvolvido pelo senhor e outros colaboradores um projeto intitulado “Um ambiente de autoria de jogos sérios em nuvem de computadores”. O que é esse ambiente e qual a sua importância?
Para as pessoas que não são da área de computação, desenvolver um software é algo que não está dentro de suas habilidades. Não é uma coisa que se aprende normalmente nas escolas. O que a gente quis com esse projeto foi justamente criar uma ferramenta em que qualquer usuário que tenha uma iniciação tecnológica, – mesmo sem conhecimento nenhum de programação de computadores, de desenvolvimento pra web – possa desenvolver os seus jogos. Então, ele desenvolve jogos e ferramentas utilizando o site. Desde que tenha o conteúdo, a pessoa preenche e coloca lá seu material, suas questões. No caso do professor, por exemplo, ele possui o conteúdo, seus testes, suas provas e essa ferramenta é uma maneira que ele tem de transformá-los em jogos no ambiente e ser passado para o aluno de forma leve, divertida. Então o aluno vai ter tarefas a cumprir, metas, há um ranking de alunos, medalhas, desafios. Enfim, uma competição saudável que vai conspirar a favor do aprendizado, principalmente em favor do engajamento dos alunos no processo do ensino–aprendizado. Esse projeto, que começou em 2018, vem de um anterior, de mestrado. Desde então, existe uma equipe formada por mim, os professores Carlos de Salles e Alana Oliveira, alunos de graduação e de mestrado que trabalha em torno dele.
Esta ferramenta está livremente disponível para a comunidade? Se sim, em uma linguagem bem simples, por favor, explique-nos como ela pode ser acessada e utilizada?
Todo software quando é feito deve ser testado e validado em situações de uso real. Nós queremos testar em disciplinas ministradas pelos professores que participaram do projeto. Teremos a validação pelos nossos alunos. Isso acontecerá em maio e junho próximos, em disciplinas da Ciência da Computação e Engenharia da Computação da UFMA. Então, no segundo semestre, ela estará disponível para o público externo. Hoje o experimento ainda está para uso interno do nosso laboratório. Poderia hoje ser disponibilizada para todos? Sim, mas pode ser que nem tudo esteja 100% e isso pode gerar uma frustração e uma imagem negativa da ferramenta. Tão logo esteja apta para o uso, faremos divulgação boca a boca, site da UFMA, via Fapema. Inclusive, ainda estamos pensando em outras estratégias de divulgação. As pessoas interessadas devem ficar atentas.
Por favor, esteja à vontade para fazer as suas considerações finais.
Eu quero agradecer a oportunidade da entrevista. É sempre bom divulgarmos o que fazemos para não ficarmos presos aos espaços da universidade. Também quero falar da importância do apoio da Fapema. Nós estamos em um estado que não é central e, em termos de ciências, os recursos nacionais não chegam com facilidade, principalmente a grupos de pesquisas menores. Esses recursos que a Fapema tem disponibilizado, por meio de seus editais, têm sido de grande importância para o desenvolvimento de nossos projetos.