No olho do furacão: os efeitos da zika no desenvolvimento infantil
Fonte: Faperj
Texto: Juliana Passos
Foto: Faperj
O número de grávidas a darem entrada no ambulatório de Doenças Febris Agudas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, Zona Norte carioca, não parava de subir a cada semana. E gestante com doença febril é sempre um sinal de alerta. Na região Nordeste, principalmente em Pernambuco, começava a se falar em zika. A demanda por explicações era enorme, mas a capacidade de fornecer respostas era pequena. “Nunca imaginei que no final da minha carreira eu veria um negócio desses. É impactante. O número de nascimentos despencou em 2017. As mulheres pararam de engravidar. Foi uma calamidade”, conta a neonatologista e coordenadora da Unidade de Pesquisa Clinica do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Maria Elisabeth Moreira. A pesquisadora, que tem apoio da FAPERJ para suas pesquisas tendo sido contemplada no programa “Cientista do Nosso Estado”, é responsável pelas pesquisas relacionadas ao desenvolvimento infantil em uma das pesquisas aprovadas no edital Programa Pesquisa em Zika, Chikungunya e Dengue no Estado do Rio de Janeiro – nº 18/2015, da FAPERJ.
Nos primeiros meses de epidemia, os pesquisadores trabalharam em diversas frentes de forma intensa: revisão bibliográfica de situações semelhantes ao redor mundo – nesse caso específico das experiências da epidemia ocorrida na Polinésia Francesa em 2014 –, realização de baterias de exames diversos nas grávidas com quadro febril e na ampliação do laboratório para dar conta da realização dos novos procedimentos e de espaço físico atender as crianças e para armazenar uma grande quantidade de processos. Hoje, o corredor da Unidade de Pesquisa Clínica do IFF está tomado por arquivos onde estão guardadas as fichas clínicas de cada gestante participante da pesquisa por pelo menos cinco anos.
Em um primeiro momento, eram feitos ultrassons de todas as gestantes quinzenalmente e de todos os bebês que nasciam com suspeita de terem sido expostos ao zika vírus (ultrassom cerebral, abdominal e ecocardiograma). As ultrassonografias eram feitas rotineiramente: “Eram mães apavoradas”, relembra Elisabeth, sobre os momentos de ansiedade das gestantes. Mais tarde essa bateria de exames tão frequentes se mostrou desnecessária, uma vez que os estudos realizados concluíram que a condição cardíaca ou abdominal não são tão afetadas pela doença e esses exames passaram a ser feitos apenas com indicações clínicas. A ultrassonografia na grávida com quadro de febre e lesões na pele passou a ser feita só a partir das quatro semanas após a ocorrência do estado febril agudo (febres acima de 37,5o C). “Tudo isso foi bem desafiador. Uma coisa é uma pesquisa que você planeja início, meio e fim. A outra você não planeja. A epidemia chega e você tem que entrar para trabalhar e produzir respostas para a ciência e a sociedade”, diz.
Três anos após o surgimento da epidemia, muitas das questões sobre os impactos da zika permanecem sem resposta. Ainda não há diagnóstico preciso, principalmente nas pessoas assintomáticas; não se sabe o motivo do seu surgimento ou desaparecimento, e não se sabe as repercussões em longo prazo nas crianças que foram expostas e nasceram sem microcefalia. Embora não se saiba quantas crianças têm paralisia cerebral no Brasil, a epidemia trouxe um olhar para essa faixa etária e os estudos na área de desenvolvimento cerebral dos bebês e crianças avançaram.
Resultados
A importância e o impacto positivo da estimulação cerebral desde os primeiros meses de vida para o desenvolvimento do recém-nascido e lactente deu origem a validação de uma metodologia, em conjunto com a London School Tropical and Hygiene Medicine, de orientação e empoderamento dos pais no cuidado com seu filho com ou em risco de paralisia cerebral, chamado Projeto Juntos. No material, que em breve estará disponível online, há orientações para a realização de atividades em casa com ou sem acompanhamento de profissionais especializados. O desafio agora está na disseminação da metodologia e uso deste material e capacitação de famílias e profissionais.Elisabeth destaca que o principal resultado das pesquisas foi corroborar com a teoria da capacidade do cérebro de, quando estimulado, conseguir driblar as limitações iniciais provocadas pela paralisia. É o que os pesquisadores chamam de neuroplasticidade. De acordo com as observações de seu grupo de trabalho, cerca de 30% das crianças que estiveram expostos ao zika durante a gestação da mãe, mas que não desenvolveram a microcefalia, apresentaram atraso de desenvolvimento.
Como o foco na importância dos primeiros mil dias na vida, período em se constrói a base para um adulto saudável com a prevenção de doenças crônicas, a equipe também lançou um guia de alimentação saudável para os bebês. A publicação pode ser acessada aqui.
Uma das grandes expectativas para o avanço da pesquisa em relação à zika e o desenvolvimento das crianças está em um trabalho em rede reunindo 10 países da América Latina e Estados Unidos, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA e Fiocruz. A rede acompanha cerca de oito mil mulheres com e sem sintomas de zika ao longo de dois anos a partir da 14ª semana de gestação, até as primeiras seis semanas de vida do bebê e até a criança completar um ano. A fase de acompanhamento das mulheres já foi finalizada e agora as equipes acompanham os filhos. O Brasil responde por quase metade das mulheres acompanhadas, 800 delas no Rio de Janeiro, área coordenada por Elisabeth. Os resultados desse estudo começarão a ser publicados em breve e pela quantidade de participantes serão importantes para definição das diretrizes de tratamento.
Incertezas da ciência e a necessidade de pronta resposta
Em situações que demandam respostas rápidas, o contato direto e intensivo entre os diferentes setores da sociedade torna-se inevitável. A pesquisadora conta que ao contrário da rotina a qual estava acostumada, a de chamar as mães para a maternidade e oferecer cursos e explicações, na questão da Zika as famílias se organizaram e formaram associações que passaram a ter demandas específicas e as pesquisadoras passaram a ser convidadas para as palestras. “Essas mães são muito atuantes. Bom, nós somos objetos de pesquisa, então onde estão os resultados? Como os resultados se aplicam a gente? Como você estudando isso pode melhorar a saúde da minha criança?”
No Rio de Janeiro, as famílias estão organizadas na Associação Lotus, criada em 2017. Em Recife, foi criada a União Mães de Anjo, e, nacionalmente, há o Movimento Zika. A criação dessas associações ocorreu com a solidariedade de outras associações como o Movimento Down, que emprestou a sua sede no Rio e conhecimentos para as famílias cujos filhos foram expostos ao vírus da zika. Em conjunto com as famílias, o IFF também produziu uma cartilha de orientação para a busca por direitos e que pode ser acessada em pdf.
Elisabeth lamenta não poder oferecer a essas crianças e suas famílias respostas ou tratamentos mais definitivos do que o ritmo da pesquisa permite. “Essa é uma questão muito difícil e que permeia todas as pesquisas feitas na área da saúde de maneira geral. O médico precisa trabalhar com a certeza e o pesquisador com a incerteza. E não é muito fácil, não. Mas eu acho que a principal questão é aprender a dizer ‘não sei, vamos aprender juntos’. Por isso que uma das questões trazidas por nossos folders é ‘o que aprendemos juntos’”, conta.
E as demandas não vêm apenas das famílias ou médicos. A equipe mobilizada para a pesquisa, que atua em parceria com as secretarias Municipal e Estadual de Saúde, publicou recentemente resultados sobre a condição de bexiga neurogênica dos bebês com microcefalia, ou seja, eles precisam investigar a capacidade do bebê urinar bem, porque a bexiga não consegue contrair para liberar a urina e, às vezes, vai ser necessário o uso de sondas. De acordo com Maria Elisabeth, é preciso saber com urgência a porcentagem de incidência dessa condição para que as secretarias possam planejar a compra das sondas. Mas a conclusão da pesquisadora é animadora. “A zika proporcionou isso, um trabalho em rede em benefício dessas crianças e trouxe visibilidade a crianças antes invisíveis, principalmente na questão do neurodesenvolvimento”, diz.