Pigmento produzido por bactérias aquáticas combate câncer de próstata

Pigmento produzido por bactérias aquáticas combate câncer de próstata
março 29 10:20 2019

Elton Alisson, de São Carlos  |  Agência FAPESP – Os oncologistas enfrentam um dilema ao diagnosticar um paciente com câncer de próstata em estágio inicial. As duas opções terapêuticas para esses casos – a cirurgia de remoção do tumor e a radioterapia – atingem toda a próstata e podem causar sérios efeitos colaterais, como disfunção erétil e incontinência urinária.

Um novo método para o tratamento de tumores de próstata em estágio inicial, desenvolvido no Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, poderá oferecer aos médicos uma alternativa às terapias convencionais, reduzindo o risco de danos desnecessários aos pacientes. A nova técnica, não invasiva, usa uma droga fotossensibilizante e uma fonte de luz para atacar especificamente os tumores prostáticos, sem danificar tecidos saudáveis e o trato urinário.

Um dos criadores do novo tratamento, Avigdor Scherz, professor do Instituto Weizmann de Ciências, veio ao Brasil para participar como palestrante da São Paulo School of Advanced Science on Modern Topics in Biophotonics.

Apoiado pela FAPESP, na modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), o evento é realizado até sexta-feira (29/03) no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP). O encontro reúne estudantes de pós-graduação e jovens pesquisadores do Brasil e do exterior com o objetivo de discutir tópicos avançados na área de biofotônica, que usa tecnologias baseadas na manipulação de fótons, ou seja, a luz, para aplicações biológicas.

“Combinamos princípios e ideias da natureza com a fotônica para desenvolver um novo tratamento contra o câncer de próstata, que destrói de forma restrita o tecido cancerígeno sem prejudicar o saudável”, disse Scherz durante sua palestra.

O novo método, chamado terapia fotodinâmica vascular dirigida (VTP, na sigla em inglês), consiste na infusão intravenosa por 10 minutos de uma droga à base de um pigmento sensível à luz obtido da clorofila produzida por bactérias aquáticas fotossintetizantes – que captam energia da luz solar.

Denominada bacterioclorofila, a droga sintetizada a partir dessa substância é ativada pela exposição ao laser infravermelho durante 22 minutos, por meio de fibras ópticas finas inseridas no local do tumor com a ajuda de ultrassonografia.

A ativação da droga no tecido doente por meio do laser provoca uma reação em cadeia e gera moléculas altamente reativas, que fecham os vasos sanguíneos responsáveis por alimentar os tumores, impedindo que recebam oxigênio. Dessa forma, os tumores são destruídos entre 16 e 24 horas após o procedimento, enquanto as estruturas e as funções de tecidos sadios permanecem intactas.

“A combinação da droga fotossensibilizante com a exposição ao laser no interior dos vasos sanguíneos provoca a geração simultânea de radicais de óxido nítrico e de oxigênio. Isso leva a um rápido colapso da vascularização do tecido tumoral”, explicou Scherz.

Os pacientes submetidos ao tratamento são liberados poucas horas após o procedimento, que tem duração aproximada de 90 minutos e é feito em apenas uma sessão. O fármaco permanece na circulação sanguínea por um período de três a quatro horas.

A fim de avaliar a eficácia e a segurança do novo método foram feitos testes clínicos com 413 pacientes, em 47 hospitais de 10 países europeus e em centros médicos no Canadá, México e em Israel.

Os resultados dos ensaios clínicos feitos na Europa, publicados em 2016 em The Lancet Oncology, mostraram que 49% dos pacientes entraram em remissão completa. Apenas 6% tiveram de retirar a próstata, em comparação com 30% entre os que não foram submetidos ao tratamento. Os efeitos secundários foram semelhantes aos de uma biópsia convencional.

A terapia já foi aprovada em Israel e no México e está sob avaliação da agência europeia de medicamentos (EMA) e da agência regulatória de fármacos dos Estados Unidos – a Food and Drugs Administration (FDA) –, além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil.

O desenvolvimento do novo tratamento resultou em 15 patentes, que deram suporte para a transferência de tecnologia e o estabelecimento de diversas pequenas empresas de base tecnológica (startups) em Israel. Uma delas é a Steba Biotech, que desenvolveu o software, o equipamento de laser e as fibras ópticas. “O processo de avaliação desse novo tratamento no FDA está em estágio avançado”, disse Scherz.

Imunidade antitumoral

Os pesquisadores pretendem testar em modelos animais a terapia fotodinâmica contra o câncer de próstata em estágios mais avançados, bem como avaliar se a modulação do sistema imunológico durante o tratamento melhora a eficácia e a segurança do novo método. Ou, até mesmo, se pode ajudar a desenvolver imunidade antitumoral.

De acordo com Scherz, essa nova abordagem mostrou resultados promissores em estudos com animais e poderá ser usada para o tratamento de câncer de próstata em estágio inicial e nos casos mais avançados, além de outros tipos de tumores, como o de pâncreas, e na degeneração macular pela idade.

“Como as árvores, com suas folhas, a natureza se desfaz de órgãos com mau funcionamento por meio da geração simultânea de óxido nítrico e de radicais de oxigênio. É assim também com o método que desenvolvemos”, comparou Scherz. “Queremos usar o mesmo princípio para tratar os tumores malignos e outras doenças.”

O tratamento inovador é resultado de 20 anos de pesquisa do químico Scherz com o botânico Yoram Salomon, também professor do Instituto Weizmann de Ciências, que faleceu em 2017.

No início dos anos 1990, os dois cientistas começaram a estudar a fotossíntese e constataram que alguns tipos de clorofila desempenham papéis fundamentais como coletores de luz e conversores de energia. Com base nessa observação, eles deduziram que as interações entre clorofilas de bactérias fotossintéticas e a luz dentro dos tecidos desses animais poderiam fornecer novas oportunidades para o tratamento e o diagnóstico do câncer e outras patologias.

Após testes com mais de 200 moléculas, os pesquisadores chegaram a derivados de bacterioclorofila com maior estabilidade, solubilidade em água e melhor capacidade para uso farmacêutico. Em testes iniciais com animais, eles constataram que a iluminação de tumores com laser logo após a injeção intravenosa resultava em uma taxa de cura muito alta.

Mais informações sobre a São Paulo School of Advanced Science on Modern Topics in Biophotonics: www.biophotonics2019br.com.