Startup cria teste para diagnóstico de doença que afeta gatos e humanos

Por Leidyane Ramos 15 de outubro de 2019

A startup BioInsumos e Diagnósticos (BiDiagnostics) vem trabalhando, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, no desenvolvimento de um novo teste para diagnóstico da esporotricose, doença de pele causada por fungos do gênero Sporothrix sp e considerada uma zoonose.

Um aumento exponencial no número de casos tem sido observado nos últimos anos principalmente em gatos domésticos, mas também em cães e em humanos. O fungo, naturalmente encontrado no solo, infecta a pele de felinos por meio de feridas. Pode causar lesões graves, que se disseminam por todo o corpo e afetam órgãos internos. O quadro pode tornar-se fatal se não for tratado a tempo.

Já em humanos, normalmente infectados por meio da arranhadura ou mordeduras de gatos contaminados, o patógeno costuma provocar lesões nos braços e na face, geralmente não tão severas como as dos felinos.

Embora raramente represente um risco à vida humana, a esporotricose é muito confundida com infecções semelhantes – principalmente a leishmaniose cutânea –, o que dificulta o diagnóstico e retarda o tratamento, aumentando os custos para os sistemas de saúde público e privado.

“Nos últimos cinco anos, foram registrados casos da doença tanto em animais como em humanos em todas as regiões do país, com um aumento de até 600% no número de pacientes notificados”, disse a microbiologista Leila Maria Lopes Bezerra, fundadora da BiDiagnostics.

Com base em estudos feitos nos últimos 20 anos sobre os efeitos e a evolução do fungo Sporothrix sp, a pesquisadora identificou um antígeno específico para o diagnóstico sorológico da esporotricose humana causada pela espécie S. schenckii.

A partir da caracterização do antígeno específico, foi desenvolvido um teste rápido para o diagnóstico de todas as formas clínicas da infecção a partir da detecção de anticorpos no soro de pacientes. O método foi validado clinicamente em pacientes atendidos no hospital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

“O teste permite agilizar o diagnóstico e fazer o acompanhamento do tratamento dos pacientes infectados, que leva no mínimo três meses. Além disso, permite diminuir os custos com internação pela demora ou diagnósticos errôneos”, disse Lopes Bezerra.

Agora, com o apoio do PIPE-FAPESP, a empresa incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP) pretende desenvolver um teste de diagnóstico da esporotricose causada pela espécie S. brasiliensis a partir de outro antígeno específico.

Essa espécie de fungo, descoberta em 2007, é mais prevalente e virulenta do que a S. schenckii e causa graves manifestações clínicas até então consideradas raras, como infecção nas mucosas, endocardite (infecção no revestimento interno do coração) e meningite.

Durante o projeto, os pesquisadores pretendem validar o teste usando os dois antígenos que caracterizaram, a fim de verificar seu grau de sensibilidade e especificidade em amostras de soro de pacientes com esporotricose causada pelo S. brasiliensis.

Além disso, querem testar a potencial aplicação do teste no diagnóstico diferencial de esporotricose e leishmaniose cutânea.

“Até o momento, não existe nenhum produto semelhante no mercado e, por esse motivo, o teste que desenvolvemos para diagnosticar a esporotricose causada pelo S. schenckii é o único recomendado na literatura médica”, disse Lopes Bezerra.

“Apesar de as metodologias usadas hoje serem muito válidas, elas não permitem fazer um grande número de análises e o resultado demora, no mínimo, 15 dias”, disse.

Mudança de foco

No plano de negócios inicial da empresa, o teste de diagnóstico estava voltado preferencialmente para o mercado veterinário. Ao participar do 12º Treinamento PIPE em Empreendedorismo de Alta Tecnologia, oferecido pela FAPESP, e realizar 105 entrevistas com potenciais interessados na tecnologia, os pesquisadores constataram que teriam de mudar o foco de mercado.

“Embora o teste seja aceito como uma ferramenta de diagnóstico pelos médicos veterinários, eles manifestaram receio de ter que manipular felinos para extrair a amostra de sangue necessária para fazer o teste”, disse Lopes Bezerra.

“No entanto, constatamos nas entrevistas com médicos de saúde humana que o teste seria uma ferramenta importante para o acompanhamento de pacientes. Acabamos direcionando nosso plano de negócios para esse segmento”, disse.

Os pesquisadores constataram que a maior parte dos pacientes passa, em média, por entre quatro e nove consultas médicas no sistema público de saúde até serem encaminhados para um especialista, geralmente após tomarem antibióticos ou terem sido submetidos a uma terapia que não surtiu efeito.

“Hoje, nos estados em que a notificação da esporotricose é compulsória, como no Rio de Janeiro, tem sido registrado, praticamente, um caso de infecção humana para cada notificação de animal infectado”, disse a cientista.

Segundo dados da Vigilância Sanitária do município do Rio, onde tem sido registrada uma epidemia de esporotricose desde 1998, apenas em 2015 foram diagnosticados 3.800 gatos, 120 cães e 4.000 pacientes infectados. Já em 2016, verificou-se um aumento de 400% no número de animais diagnosticados.

“Já há relatos de casos da doença também em outros países vizinhos do Brasil, o que levou a OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] a emitir um alerta, no final de agosto. Dessa forma, um novo teste com o antígeno do Sporothrix brasiliensis suprirá uma demanda não apenas do país”, disse Lopes Bezerra.

Fonte: Elton Alisson  |  Pesquisa para Inovação