Caminhos para o clima
Cientistas brasileiros e britânicos discutiram na última terça-feira (30/3), por meio de videoconferência, possibilidades de cooperação entre instituições dos dois países para desenvolvimento de estudos e programas de pesquisa conjuntos na área de geoengenharia, que inclui diversos métodos de intervenção de larga escala no sistema climático do planeta, com a finalidade de moderar o aquecimento global. O “Café Scientifique: Encontro Brasileiro-Britânico sobre Geoengenharia”, promovido pelo British Council, Royal Society e FAPESP, foi realizado nas sedes do British Council em São Paulo e em Londres, na Inglaterra.
O ponto de partida para a discussão foi o relatório Geoengenharia para o clima: Ciência, governança e incerteza, apresentado pelo professor John Shepherd, da Royal Society. Em seguida, Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), apresentou um breve panorama da geoengenharia no Brasil.
A FAPESP foi representada pelo coordenador executivo do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, Carlos Afonso Nobre, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com Nobre, a reunião serviu para um contato inicial entre os cientistas dos dois países. “A reunião teve um caráter exploratório, já que o próprio conceito de geoengenharia ainda não foi definido com precisão. O objetivo principal era avaliar o interesse das duas partes em iniciar alguma pesquisa conjunta nessa área e expor potenciais contribuições que cada um pode dar nesse sentido”, disse Nobre.
Segundo Nobre, a geoengenharia é um conjunto de possibilidades de intervenção dividido em dois métodos bastante distintos: o manejo de radiação solar e a remoção de dióxido de carbono. Durante a reunião, os brasileiros deixaram claro que têm interesse apenas na segunda vertente.
O manejo de radiação solar, de acordo com o relatório britânico, inclui técnicas capazes de refletir a luz do Sol a fim de diminuir o aquecimento global, como a instalação de espelhos no espaço, o uso de aerossóis estratosféricos – com aplicação de sulfatos, por exemplo –, reforço do albedo das nuvens e incremento do albedo da superfície terrestre, com instalação de telhados brancos nas edificações.
A remoção de dióxido de carbono, por outro lado, inclui metodologias de captura do carbono da atmosfera – ou “árvores artificiais” –, geração de carbono por pirólise de biomassa, sequestro de carbono por meio de bioenergia, fertilização do oceano e armazenamento de carbono no solo ou nos oceanos.
A principal diferença entre as duas vertentes é que os métodos de manejo de radiação solar funcionam com mais rapidez, em prazos de um ou dois anos, enquanto os métodos de remoção de gás carbônico levam várias décadas para surtirem efeito.
Sem plano B
O relatório avaliou todas as técnicas segundo eficácia, prazo de funcionamento, segurança e custo. Seria preciso ainda estudar os impactos sociais, politicos e éticos, de acordo com os cientistas britânicos.
Nobre aponta que o Brasil teria interesse em contribuir com estudos relacionados à vertente da remoção de dióxido de carbono, que seria coerente com o estágio avançado das pesquisas já realizadas no país em áreas como bioenergia e métodos de captura de carbono.
“Sou muito cético em relação ao manejo de energia de radiação solar. A implementação dessas técnicas é rápida, mas, quando esses dispositivos forem desativados – o que ocorrerá inevitavelmente, já que não é sustentável mantê-los por vários milênios –, a situação do clima voltará rapidamente ao cenário anterior. Seria preciso, necessariamente, reduzir rapidamente a causa das mudanças climáticas, que são as emissões de gases de efeito estufa”, disse Nobre.
De acordo com ele, as técnicas de manejo de energia solar são vistas, em geral, como um “plano B”, em caso de iminência de um desastre climático de grandes consequências. Ou seja, seriam acionadas emergencialmente quando os sistemas climáticos estivessem atingindo pontos de saturação que provocariam mudanças irreversíveis – os chamados tipping points.
“Mas o problema é que vários tipping points foram atingidos e já não há mais plano B. O derretimento do gelo do Ártico, por exemplo, de acordo com 80% dos glaciologistas, atingiu o ponto de saturação. Em algumas décadas, no verão, ali não haverá mais gelo. Não podemos criar a ilusão de que é possível acionar um plano B. Não há sistemas de governança capazes de definir o momento de lançar essas alternativas”, disse.
A vertente da remoção do dióxido de carbono, por outro lado, deverá ser amplamente estudada, de acordo com Nobre. “Essa vertente segue a linha lógica do restabelecimento da qualidade atmosférica. O princípio é fazer a concentração dos gases voltar a um estado de equilíbrio no qual o planeta se manteve por pelo menos 1 ou 2 milhões de anos.”
Ainda assim, essas soluções de engenharia climáticas devem ser encaradas com cuidado. “A natureza é muito complexa e as soluções de engenharia não são fáceis, especialmente em escala global. Acho que vale a pena estudar as várias técnicas de remoção de gás carbônico e definir quais delas têm potencial – mas sempre lembrando que são processos lentos que vão levar décadas ou séculos. Nada elimina a necessidade de reduzir emissões”, disse Nobre.