Estudo analisa relação entre família e trabalho de comissárias de voo
Com o objetivo de conhecer a atividade das comissárias de voo numa perspectiva social no que diz respeito à relação entre família e emprego, com ênfase nas relações de gênero e na organização temporal do trabalho, a aluna de mestrado em saúde pública Diana Bandeira desenvolveu a pesquisa Comissárias de voo: um olhar sobre a relação entre os tempos do trabalho e da vida familiar. Diana, que faz o mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), abordou a atividade das comissárias feita em turnos irregulares e como elas gerenciam as imbricações entre as dimensões família e trabalho.
Diana fez a pesquisa com comissárias que são mães e foram reinseridas no mercado após a falência da empresa em que atuavam. O estudo foi baseado na descrição das escalas de voo, ressaltando a distribuição dos tempos de trabalho e não-trabalho e na análise das entrevistas, realizadas em duas etapas. O objetivo das entrevistas foi obter informações sobre as condições de vida, de trabalho e das implicações da atividade sobre a vida social e familiar, para melhor compreender a vivência das comissárias nesse universo. Nas entrevistas foram utilizadas as categorias operacionais: (ir)regularidade temporal (onde se inscreve a imprevisibilidade), trabalho em turnos irregulares e interferência mútua dos domínios trabalho/casa, como itens centrais para investigação do objeto de estudo.
Segundo Diana, sua experiência como comissária por quase 20 anos e seu afastamento da profissão por adoecimento a fizeram enxergar a aviação não mais apenas como uma profissão, mas como objeto de estudo, inicialmente focado na relação dos adoecimentos com as condições e a organização do trabalho. “Existe uma série de condições na profissão que potencialmente agridem a saúde do trabalhador. Altitude, pressurização, amplitude térmica e mudança radical de fuso horário são exemplos disso. Essas condições, com o tempo, comprovada pela literatura, podem produzir agravos à saúde”, disse.
O afastamento de comissários, em especial mulheres, foi o que despertou o interesse de Diana em estudar essa relação. Para ex-comissária, em função de como as próprias atividades no setor se desenvolvem, tendo como características o afastamento da família e de casa, o desgaste, para algumas pessoas, pode ser um gerador de sofrimento psíquico e consequentemente afetar a saúde. De acordo com a aluna, para entender como as comissárias gerenciam suas vidas em função da profissão foram observados três aspectos principais: a mulher, a organização temporal do trabalho e a irregularidade da atividade.
A aluna destacou que o seu objetivo foi entender como as trabalhadoras de turnos totalmente irregulares, que lidam com a imprevisibilidade em grande parte do tempo, pois baseiam sua vida em escala, gerenciam a vida e como fazem para suprir seus papéis sociais nos momentos em que estão trabalhando. “As comissárias lançam mão de um grupo muito grande de pessoas para gerenciar seus papéis socialmente atribuídos, enquanto estão fora. Os pais, maridos, empregadas, namorados ajudam a suprir essa necessidade. É muito importante destacar que, mesmo com essas condições de vida e de trabalho, elas não devem ser vitimizadas. Durante o estudo, verificamos claramente que a maior partes das comissárias está ali porque quer e porque entende que o trabalho traz sentido a própria vida”, ressaltou Diana.
Para Diana, uma questão relevante no trabalho das comissárias é a fragmentação, pois elas têm vários tempos dentro do período de trabalho e de não trabalho. A aluna explicou que no trabalho das comissárias existem os horários de voo, os de sobreaviso, os de reserva (tempos que não estão voando, mas estão à disposição da empresa), os pernoites e o tempo do deslocamento, que são aqueles em que não estão com a família mas também não estão trabalhando de fato. “A irregularidade da profissão salta aos olhos. Nenhum dia de trabalho é igual ao outro. Mostrar a fragmentação da vida dessas trabalhadoras é muito importante. Não existe uma lógica diária, uma sequência semanal ou mensal. E baseada nesta irregularidade é que elas procuram organizar suas vidas. Existe uma rotina de trabalho, mas sob uma outra ótica, uma outra perspectiva”, destacou.
De acordo com a aluna, seria muito importante implantar, dentro da aviação, questões sobre a saúde do trabalhador. Desenvolver dentro da realidade dos aeronautas projetos que discutissem aspectos relativos às condições de trabalho, suas repercussões à saúde e as formas de amenizar agravos, aliado ao conhecimento e à vivência que esses trabalhadores trazem ao fazer a atividade. Ainda de acordo com a aluna, estabelecer a saúde preventiva é fundamental, pois existem muitas especificidades na profissão em relação à saúde.
As comissárias e as equipes multidisciplinares (dedicadas a estudar a relação entre aeronauta e sua atividade) devem trocar experiências, afim de que se possa atuar preventivamente na saúde do trabalhador. “O médico deve oferecer informações que ofereçam aos trabalhadores possibilidade de atuar preventivamente, ajudando-os a criar estratégias pra trabalhar melhor e sofrer menos os impactos pertinentes a profissão. Não dá pra eliminar alguns pontos, por que são especificidades da profissão, mas podemos minimizar alguns efeitos”, finalizou Diana.