Estudo avalia os fatores associados ao consumo de leite materno, leite de vaca e fórmulas lácteas em crianças de até seis meses
O aleitamento materno exclusivo até os seis meses é recomendado como prática alimentar ideal para a saúde e desenvolvimento infantil. O leite materno possui todos os nutrientes necessários à criança nesse período, além de contribuir para o fortalecimento do sistema imunológico, diminuir o risco de mortalidade infantil e trazer benefícios motores e cognitivos. Crianças não amamentadas possuem maior risco de inadequação de micronutrientes, pois tendem a ter piores práticas alimentares.
De acordo com a II Pesquisa Nacional de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal, a introdução de outros tipos de leite na alimentação de menores de seis meses é precoce, com prevalência de 18% no primeiro mês e 48,8% entre o quarto e sexto mês.
Essa introdução pode aumentar a morbimortalidade infantil, devido à menor ingestão dos fatores de proteção presentes no leite materno e maior risco de contaminações. Por isso, apenas em situações de absoluta impossibilidade da realização do aleitamento materno, recomenda-se a introdução de fórmulas infantis como substituto do leite materno na alimentação de crianças menores de um ano.
A pesquisadora Carolina Abreu de Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), desenvolve um estudo com o intuito de investigar fatores associados aos leites ingeridos pelas crianças desde fases precoces, como no primeiro semestre de vida, a fim de identificar os fatores de risco à alimentação adequada nesse período. A intenção é avaliar os fatores associados ao consumo de leite materno, leite de vaca e fórmulas lácteas em crianças acompanhadas no 1°, 4° e 6° mês de vida.
“O baixo nível socioeconômico das famílias, a baixa escolaridade e idade materna, o retorno da mãe ao trabalho e o uso de chupeta são alguns dos fatores associados à introdução precoce de outros tipos de leite e demais alimentos, descritos na literatura”, explica a pesquisadora.
De acordo com Carolina Abreu de Carvalho, existem diversos estudos dedicados a avaliar os fatores associados à interrupção do aleitamento materno exclusivo (AME), entretanto, poucos têm verificado os fatores relacionados ao consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas para lactentes, principais substitutos do leite materno nos primeiros seis meses de vida.
“O tipo de leite consumido pela criança tem reflexos no ganho de peso e outros aspectos da saúde infantil. O consumo de fórmulas lácteas é apontado em alguns estudos como um fator que predispõe ao excesso de peso, devido ao maior conteúdo de proteína em sua composição, em comparação ao leite materno”, diz.
Segundo a pesquisadora, o leite de vaca, por sua vez, além de possuir elevado conteúdo de proteína e energia, apresenta insuficiente quantidade de ácidos graxos essenciais, vitaminas e minerais para essa faixa etária. Seu consumo também tem sido associado ao desenvolvimento de atopia, excesso de peso, anemia e microhemorragias intestinais em menores de um ano.
Método
O estudo foi realizado no município de Viçosa (MG), localizado na Zona da Mata Mineira, a 227 km da capital Belo Horizonte, com uma área de 299.418 km e população estimada em 76.745 residentes. A pesquisadora realizou um estudo piloto na Policlínica Municipal de Viçosa, com todos os integrantes da equipe, a fim de testar a aplicação do questionário semi-estruturado. Foram avaliadas crianças de mesma faixa etária e com características similares as do presente estudo, as quais não foram incluídas na análise.
O convite para ingressar no estudo foi realizado entre outubro de 2011 e outubro de 2012, no único hospital da cidade que realizava partos. As gestantes foram contatadas no hospital por um membro da equipe, durante a internação para o parto. Nesta ocasião ocorreu o convite para participar da pesquisa e o agendamento das próximas consultas com as mães que aceitaram participar.
“Foram incluídas no estudo crianças que residiam em Viçosa, nascidas no único hospital-maternidade da cidade, que não possuíam má-formação congênita ou síndromes; e que não eram de gestações múltiplas. A criança estar internada em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal foi considerado critério de exclusão. Especificamente para este manuscrito, a prematuridade também foi adotada como critério de exclusão. Houve perdas por alta hospitalar precoce ou recusa e também por mães que no hospital aceitaram participar do estudo, mas que não compareceram à primeira consulta”, comenta Carolina Abreu de Carvalho.
Optou-se por trabalhar com o 1°, 4° e 6° mês, a fim de se observar os fatores associados aos desfechos precocemente (no 1° mês); no 4° e 6° mês, pois são momentos cruciais para o desmame visto o retorno das mães ao trabalho; e, no caso do 6° mês, por também ser a idade limite da recomendação do aleitamento materno exclusivo.
Uma vez que não obteve-se um tamanho amostral inicialmente, calculou-se o poder do estudo. Para tanto, utilizou-se o programa OpenEpi (Dean AG, Sullivan KM, Soe MM. OpenEpi: Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health). Considerando-se um intervalo de confiança de 95% e as estimativas de risco para a variável uso de chupeta e leite materno, fórmula láctea e leite de vaca, obteve-se um poder de 99% para o estudo dos fatores associados ao consumo de leite materno, 94% para fórmula lácteas e de 79% para o leite de vaca.
Conforme mostra a pesquisa, a primeira entrevista com as mães foi realizada no primeiro mês de vida, na ocasião da vacinação, na Policlínica Municipal de Viçosa, local de referência para imunização infantil da cidade. As entrevistas seguintes foram realizadas no 4° e 6° mês. As informações sobre os tipos de leite consumidos pelas crianças, as variáveis socioeconômicas, as relacionadas à criança e à mãe foram obtidas através de questionários semi-estruturados.
Para o leite de vaca e fórmulas lácteas contabilizou-se o consumo independentemente da ingestão de leite materno, considerando-se, portanto, a introdução desses tipos de leite na alimentação infantil. Para o leite materno, avaliou-se apenas o seu consumo de forma exclusiva ou predominante (quando além do leite materno, são consumidos líquidos como água e chás).
“As variáveis socioeconômicas foram a renda familiar, idade materna, escolaridade materna, escolaridade do chefe de família e trabalho materno. A idade da mãe foi categorizada utilizando-se o ponto de corte de 19 anos completos, para definir mães adolescentes e adultas. O chefe de família foi aquele que possuía maior renda no domicílio”, destaca a pesquisadora.
Comparou-se a distribuição das perdas de acordo com os tipos de leite consumidos, as variáveis socioeconômicas e de nascimento, número de consultas pré-natal e uso de chupeta. No início do seguimento nenhuma mãe estava trabalhando, por isso não foi possível comparar a distribuição da variável trabalho materno entre acompanhados e não acompanhados.
A análise de regressão foi realizada para avaliar os fatores relacionados aos tipos de leite consumidos pelas crianças. Os consumos de leite de vaca, fórmulas lácteas e leite materno foram considerados variáveis dependentes. O consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas, e o não consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante foram definidos como situações de risco.
Resultados
No início do estudo foram acompanhadas 460 crianças do município, entretanto, para este estudo foram selecionadas 247 crianças sem prematuridade e que possuíam todos os registros das variáveis de interesse no 1°, 4° e 6° mês. Ao longo do estudo, apesar dos esforços realizados pela equipe para o comparecimento das mães, tais como ligações relembrando o acompanhamento mensal, 204 mães não participaram do seguimento em todos os meses. Do 1° para o 4°, 124 mães não compareceram e do 4° para o 6°, 80 mães faltaram. Portanto, houve uma perda de 46,3% ao longo do acompanhamento.
A fim de verificar a existência de diferenças entre as crianças acompanhadas e não acompanhadas, elas foram comparadas quanto a suas características sociodemográficas, de nascimento, número de consultas pré-natal e uso de chupeta. Não foi observada presença de viés de seleção devido a perdas diferenciais.
“Ao longo dos meses observou-se a redução do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante. Destaca-se que já no primeiro mês, quase 25% das crianças não se encontrava mais em aleitamento materno exclusivo ou predominante. Em contrapartida, o consumo de leite de vaca apresentou comportamento ascendente, assim como o de fórmulas lácteas. Essa evolução demonstrou a diminuição do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante ao longo dos meses, e a adoção do leite de vaca como principal substituto na alimentação dessas crianças”, afirma a pesquisadora.
Observou-se que no 1° mês de vida, crianças que usavam chupeta tiveram 1,90 vezes mais risco de não consumir leite materno de forma exclusiva ou predominante. No 4° mês, filhos de mães que trabalhavam apresentaram 1,73 vezes mais risco de não consumir leite materno de forma exclusiva ou predominante e em crianças que usavam chupeta esse risco foi 1,77 vezes maior. Finalmente, no 6° mês, crianças cujas mães trabalhavam, apresentaram 1,70 vezes mais risco de não ingerir leite materno de forma exclusiva ou predominante, e as que usavam chupeta, 1,42 vez mais risco.
De acordo com Carolina Abreu de Carvalho, os resultados da análise de regressão dos fatores associados ao consumo de fórmulas lácteas no 1° mês mostram que apenas o uso de chupeta associou-se ao maior consumo de fórmulas lácteas, permanecendo significante após a realização da análise ajustada. Em crianças que usavam chupeta o risco de consumir fórmulas lácteas foi 1,81 vez maior que naquelas que não usavam.
“A evolução do consumo dos leites e fórmula, analisados neste estudo, identificou a diminuição do consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante e o aumento da ingestão de leite de vaca ao longo dos meses de acompanhamento. Esses resultados revelam a adoção do leite de vaca como o principal substituto do leite materno na alimentação dessas crianças ao longo do tempo”, assegura a pesquisadora.
O uso de chupeta foi o fator de risco que mais se associou ao não consumo de leite materno de forma exclusiva ou predominante, ao consumo de fórmulas lácteas e de leite de vaca. Em segundo lugar, destaca-se o trabalho materno no quarto e sexto mês, coincidindo com o momento em que geralmente encerra-se a licença maternidade e as mães devem retornar ao trabalho, reduzindo seu contato com o bebê.
O uso de chupeta mostrou-se fator de risco para ausência de aleitamento materno exclusivo ou predominante e para o consumo de leite de vaca e fórmulas lácteas em todos os meses, exceto no primeiro mês para crianças que consumiam leite de vaca e no sexto mês para as que consumiam fórmula láctea.
“A introdução precoce de leite de vaca aumenta a vulnerabilidade ao desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas na infância, pois pode promover maior ganho de peso e adiposidade. Existem evidências de que o consumo de leite de vaca antes do primeiro ano de vida está associado ao desenvolvimento de anemia ferropriva, devido a sua menor biodisponibilidade de ferro em comparação ao leite materno, além de poder causar microhemorragias intestinais, agravando quadros dessa deficiência. O leite de vaca é também um alimento muito alergênico, devido à grande quantidade de proteínas em sua composição, podendo causar atopia quando consumido precocemente”, enfatiza Carolina Abreu de Carvalho.
Os resultados do estudo permitiram a identificação de crianças com risco para a introdução de outros tipos de leite e consequente interrupção do aleitamento materno. Além disso geram subsídios para a realização de ações educativas que devem ser implementadas desde a fase pré-natal, a fim de orientar as mães sobre as melhores práticas de amamentação.