Fóssil revela “asa inteligente” de pterossauro

Jeholopterus_ningchengensis
Por Ivanildo Santos 7 de agosto de 2009

Os engenheiros aeronáuticos do século 21 talvez possam aprender alguns truques com répteis alados de 130 milhões de anos. Uma pesquisa apresentada ontem por uma equipe internacional, incluindo uma dupla de brasileiros, sugere que camadas especializadas de fibras nas asas dos bichos permitiam ajustes sutis dos movimentos deles no ar –uma espécie de “voo inteligente” em pleno período Cretáceo.

A conclusão vem da nova análise de um fóssil maravilhosamente bem preservado, o pterossauro chinês Jeholopterus ningchengensis, cujas asas mediam cerca de 90 cm de uma ponta à outra. Por um golpe de sorte pré-histórico, não apenas os ossos, mas também boa parte dos tecidos moles do bicho sobreviveram ao tempo.

Entre esses tecidos estão as asas membranosas, parecidas com as de morcegos e típicas de todos os pterossauros.

Fly by wire

A semelhança com os atuais mamíferos voadores, no entanto, é apenas superficial. Para o paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os pterossauros provavelmente punham seus sucessores no chinelo.

“A membrana dos morcegos é menos espessa e muito mais simples que a dos pterossauros”, disse Kellner à Folha. “Claramente o voo desses animais era bem mais sofisticado do que a gente imaginava.” Jeholopterus_ningchengensis

Kellner e seus colegas, como o também brasileiro Diógenes de Almeida Campos e paleontólogos da China e da Alemanha, publicaram sua análise do fóssil na edição desta semana da revista científica britânica “Proceedings of the Royal Society B”. Com a ajuda de luz ultravioleta, os pesquisadores conseguiram ver detalhes milimétricos da membrana das asas, que dão apoio à hipótese de que ela sofria modificações sutis para se ajustar às necessidades de voo do animal.

O sinal mais claro disso são três camadas diferentes de pequenas fibras, as chamadas actinofibrilas, dispostas em orientações diferentes (na vertical ou na horizontal, o que, no fóssil, dá a impressão de um tabuleiro de xadrez, porque as camadas foram “amassadas” pelos processos geológicos).

“Nós só vamos poder confirmar o que eram essas fibras com uma análise da estrutura microscópica delas. Acredito que eram fibras musculares. De qualquer maneira, elas obrigatoriamente influenciavam a estrutura da asa e são condizentes com a ideia de que o animal era capaz de ajeitá-la durante o voo”, afirma Kellner.

Comprimindo ou distendendo as fibras entre si, o bicho poderia, por exemplo, modificar ativamente a resistência de sua membrana ao ar, tornando-a mais ou menos rígida. Para Kellner, o achado confirma que os pterossauros não eram meros planadores, mas voadores ativos e sofisticados.

Nem pelado nem peludo

A nova análise do fóssil também pode acabar com uma velha dúvida: afinal, os pterossauros tinham pelos? A ideia de uma cobertura pilosa parece esquisitice pura em se tratando de um réptil, mas alguns fósseis bem preservados já tinham indicado essa possibilidade.

Kellner e seus colegas, ao examinar estruturas vagamente parecidas com pelos no corpo do bicho, dizem ter determinado que elas não se parecem exatamente nem com as penas das aves nem com os pelos dos mamíferos. No entanto, podem ter tido uma função similar: conservar o calor do corpo.

“Nós preferimos chamar esses supostos pelos de picnofibras, ou seja, fibras densas. Ao toque, talvez elas fossem parecidas com uma vassoura de piaçava, mais duras e eriçadas”, compara Kellner. É possível que pterossauros de diferentes regiões tivessem mais ou menos picnofibras, dependendo do clima de cada lugar.