Fragmentação passada a limpo
Trinta anos de pesquisa permitiram confirmar os impactos da fragmentação na floresta amazônica. Entre os efeitos visíveis desse processo, estão uma maior mortalidade de árvores grandes, a mudança na composição da vegetação, o aumento da quantidade de cipós e alterações na dinâmica do carbono.
As conclusões são do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, promovido em parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Instituto Smithsonian (SI), dos Estados Unidos. A iniciativa é considerada o estudo de maior impacto já realizado sobre a fragmentação de florestas tropicais.
Um resumo dos resultados desse projeto foi apresentado pelo biólogo americano William Laurance, pesquisador do SI, no primeiro dia da 61ª reunião anual da SBPC, que acontece esta semana em Manaus.
Segundo Laurance, além da longa duração, o grande diferencial do estudo é a possibilidade de controle das variáveis envolvidas. “Em 1979, quando o projeto começou, a área era coberta por floresta, ou seja, nós sabemos o que tinha lá antes e isso é muito importante”, avalia. “Além disso, hoje sabemos que o local está praticamente livre da caça e da extração de madeira.”
O objetivo do projeto é entender como o isolamento de pequenos trechos da mata afeta o equilíbrio ecológico na Amazônia. O trabalho não é simples. Cerca de 62 mil árvores com diâmetro maior que 10 cm são monitoradas regularmente desde o início do estudo e, a cada cinco anos, aproximadamente, é realizado um censo para avaliar parâmetros como o crescimento e a morte das plantas.
A pesquisa é realizada em uma área de 1.000 km 2 cuja diversidade de espécies é uma das maiores do mundo. Para efeito de comparação, lugares conhecidos por sua grande biodiversidade, como a ilha de Barro Colorado, no Panamá, e La Selva, na Costa Rica, abrigam cerca de 100 espécies por hectare. Na Amazônia, esse número chega a quase 300 por hectare. Apesar disso, Laurance afirma que 97% das espécies da área do projeto foram identificadas. O esforço de identificação é essencial, já que permite saber como cada espécie é afetada pelas mudanças decorrentes da fragmentação.
Efeito de borda
Os resultados indicam que mudanças decorrem, principalmente do chamado efeito de borda – processo de criação de novas áreas de contato da floresta com ambientes modificados, como pastagens e capoeiras.
“Perto das bordas há maior perda de árvores grandes e crescimento de espécies menores”, conta Laurance. “As principais hipóteses para explicar o fato estão ligadas a mudanças no padrão dos ventos que atingem as árvores, na incidência de luz, que facilita o crescimento de espécies que normalmente não ocorrem no interior de florestas sombreadas, e a mudanças no microclima, como a prevalência de condições mais secas.”
A taxa de criação de novas bordas na floresta amazônica varia entre 20 mil e 50 mil km por ano. O processo é motivado por fatores já conhecidos: plantio de soja, exploração da madeira e projetos de expansão da infraestrutura, como a construção de estradas e hidrelétricas. “A área que estudamos está a apenas 80 km de Manaus, cidade cuja população praticamente dobrou nos últimos 20 anos”, conta José Luís Camargo, biólogo do Inpa e coordenador científico do projeto.
Camargo lembra que a área é também alvo de projetos de ocupação planejados pela Superintendência da Zona Franca de Manaus, responsável pela administração da região. O problema, segundo pesquisador, não é a ocupação em si, mas a forma como é feita. “A produção poderia ser feita por sistemas agroflorestais, de menor impacto para o ecossistema. Mas essa não é a previsão”. lamenta.
A ameaça não impede o planejamento de novas pesquisas. “Estamos começando a investigar o impacto da fragmentação em plântulas, que provavelmente são ainda mais vulneráveis às mudanças”, diz Laurance. Os estudos contribuirão para manter a região do projeto no primeiro lugar da lista de locais que mais geraram conhecimento sobre florestas tropicais no Brasil e no mundo.