Guias nervosos
Um estudo realizado no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo, demonstrou que a proteína príon celular (PrPC) e dois de seus ligantes são expressos no sistema nervoso durante todas as etapas do desenvolvimento de embriões de camundongos.
O estudo, publicado no Journal of Comparative Neurology, sugere que as três proteínas, mais concentradas em torno da notocorda dos embriões, podem ter a função de atrair e guiar axônios e dendritos – prolongamentos das células nervosas – durante o desenvolvimento embrionário.
O trabalho, desenvolvido durante a pesquisa de pós-doutorado de Glaucia Hajj, com Bolsa da FAPESP, é uma nova contribuição para a compreensão do papel da PrPC no amadurecimento e na formação dos neuritos (prolongamentos dos neurônios, sejam axônios ou dendritos).
Além desse papel, sabe-se que a PrPC, altamente expressa na superfície das células do sistema nervoso, protege os neuritos da morte celular programada – a apoptose – e também modula a resposta do sistema imunológico às inflamações. Possivelmente a PrPC protege ainda as células neuronais contra a isquemia, ou falta de oxigênio.
O estudo foi orientado por Vilma Regina Martins, também do Instituto Ludwig, que coordenou o Projeto Temático “Papel da proteína príon celular em processos fisiológicos e patológicos”, apoiado pela FAPESP e concluído em agosto.
Durante o primeiro Projeto Temático sobre o mesmo tema, coordenado por Vilma entre 2000 e 2004, o grupo foi responsável por caracterizar, na matriz extracelular, três ligantes de PrPC: a proteína celular STI1, a laminina e a vitronectina. O grupo publicou também, em maio último, artigo que sugeria nova função para a PrPC: sua expressão pode modular a agressividade de células tumorais.
O novo estudo mostrou que tanto a PrPC como os dois ligantes estudados – STI1 e vitronectina – são expressos no sistema nervoso durante todo o desenvolvimento do embrião. Além de Gláucia e Vilma, os demais autores do artigo são Tiago Santos e Zanith Cook.
“Em uma das etapas do desenvolvimento encontramos no sistema nervoso o que chamamos de um gradiente – uma expressão maior das proteínas – nas proximidades da notocorda, com maior concentração em direção à porção central da medula espinhal. Isso sugere que essas proteínas podem estar exercendo um papel atrativo”, disse Gláucia à Agência FAPESP.
A notocorda poderia estar secretando essas moléculas e, com isso, atraindo os dendritos e axônios em sua direção. “Os gradientes que observamos sugerem que os ligantes podem ter o papel de guiar os neuritos para que eles se posicionem corretamente”, apontou.
Os ligantes são proteínas localizadas fora da célula, mas que interagem com a PrPC situada na membrana celular. “Essas proteínas se ligam ao receptor na membrana da célula e passam a ela informações que podem se referir à diferenciação, à proliferação ou à morte celular, por exemplo”, disse.
Padrão de expressão
Segundo Gláucia, embora a expressão de RNA mensageiro da proteína príon celular já tenha sido documentada anteriormente durante a embriogênese, seus padrões de expressão de proteína ainda não haviam sido avaliados. “Ainda se sabe muito pouco sobre a expressão de vitronectina e de STI1”, disse.
Além da relação espaço-temporal verificada na distribuição das proteínas estudadas, a cientista observou, conforme prosseguia o desenvolvimento do embrião, que as três proteínas eram expressas em diversos órgãos dos animais. “Isso sugere que elas têm, também, algum papel no desenvolvimento de tecidos não-neurais”, afirmou.
Gláucia, que também teve bolsas da FAPESP na iniciação científica, mestrado e doutorado, conta que a principal contribuição do estudo é fornecer dados sobre o padrão de expressão das três proteínas durante o processo de desenvolvimento – o que poderá ser importante para delinear novas pesquisas.
“Havíamos estudado a localização dessas proteínas nas células em cultura. Mas agora fizemos o acompanhamento durante o desenvolvimento a fim de relacionar a expressão delas com a diferenciação neural. Vimos que elas estão relacionadas a aspectos como tamanho e quantidade de prolongamentos dos neurônios. Determinar esses padrões durante o desenvolvimento será importante para delinear novos estudos”, disse.
Os pesquisadores utilizaram técnicas de imunohistoquímica e imunoflorescência para estudar embriões de camundongos de idades diversas. O procedimento consiste em cortar uma fatia do tecido e inserir ali um anticorpo contra a proteína de interesse. O anticorpo é marcado com uso de uma das duas técnicas.
O artigo Developmental expression of prion protein and its ligands stress-inducible protein 1 and vitronectin, de Gláucia Hajj e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Comparative Neurology em www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19760599.