O etanol do milho é prejudicial ao clima?
O governo Obama recentemente deu sinal verde para o etanol de milho como combustível renovável de baixo teor de carbono. A decisão é uma aparente contradição à declaração da Califórnia, no verão passado, de que a pegada de carbono do biocombustível é grande demais para mitigar a emissão de gases de efeito estufa do estado.
Reguladores e peritos em políticas insistem na inexistência de um conflito: as duas regras obedecem à ciência; é simplesmente uma questão de em que ano se começa a contabilizar as emissões.
De fato, o timing é tudo. A Califórnia verificou suas atuais emissões associadas ao etanol de milho e concluiu que eram demasiado elevadas.
A Casa Branca, visando triplicar a produção anual para 163,29 bilhões de litros por ano em 12 anos, baseou sua decisão em projeções para o ano 2022. O governo presumiu que uma produtividade maior, mais eficiência de produção e novas descobertas mitigariam as emissões.
“Não existe conflito”, declarou Stanley Young, um porta-voz do California Air Resources Board (CARB), o órgão californiano que executa a primeira iniciativa nacional contra o aquecimento global. “Utilizamos metodologias diferentes”, alegou. “Além disso, indicamos que há vários caminhos para produzir etanol de milho com volumes de carbono que se encaixam em nossos padrões”, acrescentou. “Nem todos os etanóis são criados iguais”.
A decisão suscitou algumas dúvidas – e ceticismo – entre os peritos, que questionam se o governo não teria aproveitado uma folga política, propiciada pelas projeções futuras, para chegar a uma conclusão politicamente expediente.
“À primeira vista, isso parece um tanto duvidoso”, diz Nathanael Greene, diretor da política de energia renovável do Natural Resources Defense Council (NRDC). “Você pode até acreditar nisso, mas de todo modo, eles fazem muitas projeções sobre como será a produtividade, como estará o mercado”.
“O resultado é que as coisas parecem bem mais positivas naquele ano (2022) que a Califórnia calcula”.
Para atender ao padrão renovável do país, o “ciclo de vida” de emissões de carbono de um combustível deve estar pelo menos 20% abaixo do da gasolina. Calcular esses custos é complicado. As lavouras de plantas que geram combustíveis tendem a substituir as que produzem alimentos, e isso origina novas emissões à medida que os fazendeiros derrubam florestas e cultivam terras previamente intocadas para atender à demanda de alimentos.
Essas emissões podem ser consideráveis. Um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences concluiu que o Brasil corre o risco de contrair uma dívida de carbono de 250 anos, com base no desmatamento esperado até 2010, à medida que o país expande sua produção de álcool de cana-de-açúcar e biodiesel de soja.
Os pesquisadores estão céticos quanto às alegações federais de que os avanços do etanol serão suficientes para compensar as emissões associadas ao desalojamento de lavouras de alimentos.
“Isso não é consistente com o que tenho lido em publicações revisadas por iguais”, declarou David Tilman, um professor de Ecologia da University of Minnesota, que estudou o conflito entre os biocombustíveis e as lavouras de alimentos.
“Você pode fazer projeções muito otimistas sobre produtividades futuras, mas se verificar as tendências passadas verá que até durante a Revolução Verde os aumentos foram insuficientes para atender às demandas que teremos no futuro”.
Evidências recentes, vindas do Brasil, sustentam esse ponto. Uma equipe de pesquisadores, chefiada por David Lapola, da Universidade de Kassel, na Alemanha, constatou que 90% da expansão brasileira de cana-de-açúcar, nos últimos cinco anos, desalojaram terras de pastagens, forçando os criadores de gado a avançar floresta adentro. O grupo de Lapola concluiu que o plano do Brasil, de ampliar suas lavouras destinadas a biocombustíveis na próxima década, forçará as áreas de pasto a penetrar em mais de 121.730 km2 de florestas e outros 45.998 km2 de habitats indígenas.
Isso equivale a uma área igual a dos estados de Nova York e New Jersey combinados.
“Parece que no caso do etanol de milho americano, haverá muito atrito (inclusive a utilização indireta de terras) com as lavouras de produtos alimentares, não só nos Estados Unidos, como no exterior”, Lapola informou via e-mail, da Alemanha.
O governo Obama insiste em ter utilizado a ciência mais recente e precisa. Ao falar à imprensa, quando a mudança foi anunciada, o Secretário da Agricultura Tom Vilsack frisou que a ciência da produtividade de lavouras “está evoluindo constantemente”.
A administradora da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) Lisa Jackson defendeu os cientistas de seu órgão governamental em meio a acusações de que a instituição cedeu a pressões do lobby agrícola. “Não concordo que tenhamos mudado a ciência para adaptá-la a qualquer resultado”, declarou ela. “Eu não assinaria uma norma se não acreditasse que tivéssemos atendido às exigências da lei”.
Mas, sob certos aspectos, a economia de carbono derivada do etanol de milho pode ser um ponto secundário – ou até mesmo questionável.
Ao anunciar a mudança de política, o governo ressaltou o potencial do biocombustível para criar empregos e proporcionar independência energética. Falando a governadores, o presidente Obama mencionou a mudança climática apenas uma vez: “mesmo que não acreditem na severidade da mudança do clima, como eu, ainda assim vocês deveriam seguir esta agenda”.
Além disso, o governo – e muitos na indústria do etanol – encaram o combustível à base de milho como uma ponte para biocombustíveis menos intensivos em carbono. “Acreditamos que este é o rumo do mercado”, disse Vilsack.
Mas a pressão para desenvolver etanol de milho tem um preço e Greene, do NRDC, questiona se essa é a política mais sábia. “É tolice fazer o que estamos fazendo hoje, que é mandar, conceder múltiplos créditos de impostos e outros subsídios governamentais”, ponderou ele. “Estamos subornando o mercado… Isso são US$ 5 bilhões por ano que poderíamos utilizar para ajudar nossos fazendeiros e nossa indústria a desenvolver a próxima geração desse material”.
Referindo-se ao Brasil, Lapola observou que alguns biocombustíveis não têm a enorme pegada de carbono, deixada pela cana-de-açúcar, a soja ou o milho. Mas enquanto os governos mantiverem um rigoroso controle sobre mudanças no uso de terras, ele acredita que os biocombustíveis constituem uma boa opção para contornar a necessidade de combustíveis derivados do petróleo.
“Uma forma de contornar, mas não uma solução completa”, acrescentou. “O fato é que, a partir de agora, precisamos avaliar mais cuidadosamente nossa matriz energética para não incorrer nos mesmos erros que cometemos com o petróleo”.
*Esse artigo foi publicado originalmente em The Daily Climate, a fonte de notícias sobre mudanças climáticas da empresa de mídia sem fins lucrativos, Environmental Health Sciences.