Pesquisa analisa o cotidiano da Feira da Praia Grande
O estudo foi realizado durante dois anos e resultou em um livro publicado com apoio da Fapema
Em 2003, a pesquisadora Raquel Noronha ingressou em uma especialização em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade, da Universidade Federal do Maranhão. Ao final do curso, cada aluno deveria apresentar um artigo e ela tratou sobre a Rua Grande (principal via comercial aberta de São Luís) e de como as residências tinham se adaptado, com o tempo, à funcionalidade do espaço. Ela abordou a questão visual dos prédios e foi com essa temática que ela ingressou no mestrado em Ciências Sociais, também da UFMA. Não demorou muito para Raquel Noronha perceber que as principais políticas públicas centravam-se sobre a Praia Grande e, então, decidiu mudar o foco e concentrar-se na Feira da Praia Grande. Esse foi o início de um trabalho que resultou no livro No coração da Praia Grande: representações sobre a noção de patrimônio na Feira da Praia Grande, São Luís-Maranhão, publicado pela EdUFMA, por meio do Programa de Apoio à Publicação de Livros, Coletâneas e Catálogos (APUB) da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e orientado pela professora-Doutora Maristela de Paula Andrade.
Inicialmente, Raquel Gomes Noronha passou a frequentar as reuniões do recém-formado Núcleo Gestor do Centro Histórico, que é um órgão ligado à Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (FUMPH). Foi uma forma de participar das ações desse grupo e de recolher dados para a pesquisa. O ano era 2006 e São Luís vivia naquele momento, lembra ela, uma efervescência no que se refere à questão patrimonial. No Núcleo Gestor se congregavam representantes de todas – ou quase todas – as instituições do Governo, que pretendiam uma gestão compartilhada do patrimônio. “Mas nas reuniões, quinzenais, deu para perceber que a noção de patrimônio de cada um era diferente. Eram muitos discursos que, em alguns casos, se contrapunham, e não se chegava a um senso comum”, conta Raquel Noronha.
Em determinado momento, o Núcleo Gestor decidiu realizar uma ação, que teve como ponto a Feira da Praia Grande, também conhecida como Casa das Tulhas. A pesquisadora, então, se engajou na Comissão de Fiscalização dessa ação e passou a frequentar a acompanhar as ações realizadas pelos membros desse grupo. “O que dava para perceber é que a Comissão estava muito preocupada em como a Feira se apresentava aos turistas, tanto no que se refere à comercialização dos alimentos e à limpeza e higiene, quanto à organização visual do espaço”, lembra a pesquisadora.
Raquel Noronha aproveitou a oportunidade para conversar com os feirantes, o que fez após a visita da Comissão de Fiscalização – para evitar receio por parte dos comerciantes -, bem como para buscar a origem da visualidade da Feira e acabou pesquisando o Projeto Praia Grande, como um todo, nas décadas de 1970, 1980, 1990. Os documentos foram obtidos nos arquivos do Solar dos Vasconcelos (que guarda e exibe o acervo do Memorial do Projeto Praia Grande, Centro Histórico de São Luís), e por meio de entrevistas com gestores, como Luiz Phelipe Andrès, que participou da equipe técnica do Projeto de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís. “No Solar havia uma funcionária que trabalhou no Projeto Praia Grande e isso me ajudou bastante no levantamento de dados”, conta a pesquisadora. “Luiz Phelipe Andrès também foi fundamental, pois ele me deu dicas sobre mapas e explicou pontos e locais onde eu poderia aprofundar minhas pesquisas. Foi ele, na verdade, que me indicou o Solar dos Vasconcelos”, acrescenta Raquel.
Durante a pesquisa, Raquel Noronha percebeu que havia algumas discrepâncias entre os discursos patrimoniais das diferentes décadas que analisou. “E que também havia uma diferença marcante no significado para grupos distintos de pessoas. Gestores enxergavam de uma forma e as práticas adotadas por eles se baseavam nisso. Já para os feirantes, o conceito de patrimônio tinha mais ligação com o sentido de pertencimento ao local em questão”, afirma ela.
Raquel Noronha, então, decidiu fazer o que ela denominou de “passeio pela Feira”, para conhecer o objeto de estudo a partir de quem criava o cotidiano do local. Dedicou um capítulo do livro à etapa etnográfica da pesquisa, o que inclui não apenas o uso da Feira como espaço de comercialização, comum a locais desse tipo, mas, ainda, aos momentos de encontros de amigos no fim da tarde, às rodas de Tambor de Crioula que acontecem no local, e ao uso turístico. Para facilitar o estudo, Raquel partiu em busca dos feirantes mais antigos. Selecionou cinco e foram esses “personagens” que ajudaram a pesquisadora a destrinchar alguns pontos fundamentais para a realização do estudo. Ela descobriu com eles, por exemplo, o motivo de o local também ser conhecido por Casa das Tulhas. “Isso se deve ao fato de lá ter servido para abrigar diversos objetos que acabavam por ficarem ‘entulhados’. Ou seja, a denominação deriva de entulho mesmo”, conta. Descobriu, ainda, que a Feira da Praia Grande foi constituída como um grande armazém, com lojas separadas e um grande quintal comum para todos. “É neste ‘quintal’ que, hoje, estão instalados os diversos boxes onde são comercializados os produtos”, explica Raquel.
Foram dois anos nessa pesquisa, 2006 e 2007, tempo em que Raquel Noronha foi estudante do mestrado. Dentre os aspectos mais curiosos levantados durante o estudo, ela destaca as diferentes noções de patrimônio adotadas nas três décadas analisadas, bem como o diferente significado para gestores e moradores, e, ainda, a noção dos feirantes a respeito da posse deles do espaço. “Apesar de ser uma concessão de uso dos boxes, esses trabalhadores tem o espaço como deles. Os boxes vão passando de pai pra filho, demonstrando certa hereditariedade. Eles se entendem como patrimônio também”, revela.
O livro ainda relata a reunião entre os feirantes e a Comissão de Fiscalização do Comitê Gestor. “Um momento muito tenso, pois foram apresentados dados e fotos que ressaltavam os aspectos negativos do local”, diz Raquel. Outros pontos destacados na publicação são atuação municipal na gestão do patrimônio; identidade local; educação patrimonial, dentre outros.