Terapia genética para deficiência visual se mostra efetiva no período de um ano
A terapia genética tem sido alvo de entusiasmo e difamação em suas quase duas décadas de testes em humanos, ajudando alguns e agravando casos de outros. Um novo experimento clínico de 12 meses tem mostrado que, ao menos no tratamento de uma doença ocular, ela parece segura e – talvez ainda mais impressionante – efetiva.
A pesquisa, parte da fase I dos ensaios clínicos para avaliar a segurança do tratamento, foi publicada em uma carta ao editor do The New England Journal of Medicine (dezenas de pesquisadores foram co-autores da publicação, dois dos quais têm direito de propriedade em uma empresa que poderia lucrar com uma versão comercial desse tratamento).
Os pesquisadores declararam que três adultos jovens com deficiência visual severa causada por doenças hereditárias mantiveram suas vistas aprimoradas um ano após a administração da terapia genética – e não sofreram nenhum efeito colateral de saúde durante o período. A terapia genética, que frequentemente emprega vírus para levar o gene saudável até células-alvo do corpo, é conhecida por provocar respostas imunes severas e foi responsável pela morte de um jovem de 18 anos em 1999, que recebia terapia genética para uma disfunção metabólica hereditária.
Os voluntários do teste sofrem de neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON), uma forma de degeneração da retina que ocorre em recém-nascidos e crianças jovens, e é relativamente rara. A maior parte das pessoas que perde a visão por degeneração hereditária da retina ou não tem fotorreceptores para interpretar a luz ou tem fotorreceptores que não funcionam. “Essa doença tem um pouco desses dois aspectos”, explica o principal autor do estudo, Artur Cideciyan, pesquisador associado e professor do Scheie Eye Institute, na University of Pennsylvania. “É uma doença complexa”.
Todos os voluntários, com idade entre 22 e 25 anos, tiveram uma mutação no gene RPE65, característico da LHON. Os médicos administraram o RPE65 normal, transportado por meio de um vetor rAAV2, até o local em uma das retinas que ainda tinha a maior parte dos fotorreceptores. Cideciyan afirma que “dentro de semanas após a operação houve uma melhora substancial e bastante significativa na sensibilidade para enxergar luzes fracas”.
Os voluntários do estudo não eram apresentavam deficiência visual plena antes da terapia. De fato, Cideciyan destaca, “alguns deles podem ler”, mas com isso ele quer dizer que eles podem ver um “E” na parte superior de um quadro de teste de acuidade visual. “Isso não representa a incapacidade visual que eles apresentam, porque eles também têm uma grande perda de sensibilidade da luz… Então podem ser capazes de ler em quadros com alto contraste, mas são mais incapazes em ambientes com menos luz”.
O que mais tem surpreendido os pesquisadores não é que os avanços se mantiveram por um ano – isso já havia sido documentado em estudos com animais. A surpresa maior é que, em ao menos um dos pacientes, a terapia ajudou a educar o olho a enxergar melhor. “Isso pode ultrapassar completamente a disfunção e, portanto, dar tanta visão quanto sejam os receptores retidos”. Uma paciente relatou que recentemente podia ver, após quase um ano de tratamento, o relógio digital do carro da família. Cideciyan atribui isso não à contínua melhora dos fotorreceptores, mas à reeducação do sistema visual de modo a aproveitar as áreas tratadas da retina.
Apesar de no passado ter sido questionada, a terapia genética parece uma opção promissora para muitos pacientes com essa doença. Havia mais voluntários do que poderiam ser encaixados nesse teste, notou Cideciyan.
O tratamento, no entanto, ainda não está fora de perigo. A equipe de pesquisas continuará o estudo por três anos inteiros, conforme requisitado pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA) para a fase I de ensaio clínico. Além disso, os participantes serão monitorados durante 15 anos para que impactos em suas saúdes sejam detectados, conforme requisitado pelo FDA para qualquer experimento de terapia genética. Após o final do primeiro experimento, outros dois ocorrerão – para testar a eficácia do tratamento – antes que ele possa ser aprovado para uso.
Cideciyan admite que os resultados animadores são apenas para uma doença rara, mas ele espera que, com pesquisas continuadas, eles tenham “um grande potencial para muitas outras doenças comuns”.